Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

A luta contra os ladrões roubou a política. Devolvam!

Caminhamos para uma eleição em que o político foi escolhido como inimigo

Caminhamos para uma eleição em que o político foi escolhido por parcela das nossas elites —inclusive as intelectuais, nas quais incluo o jornalismo— como inimigo do povo. Mas e o povo? Escolheu o quê? A série de entrevistas do Jornal Nacional com candidatos à Presidência foi um emblema do espírito do tempo. 
Na escala das máculas morais, uma triunfava sobre todas as outras: as alianças. Ter aliados era a evidência de que o interrogado condescendia com lambança.

Ora, haver inquéritos, denúncias, processos e condenações contra homens públicos, de praticamente todos os partidos, é, em princípio, evidência de que os órgãos encarregados de investigar e punir desmandos estão em ação e de que a Justiça lhes dá suporte. É bem verdade que o combate à corrupção pode ser de tal sorte marcado por ilegalidades que o “Primeiro Vilão” da narrativa acaba se convertendo 
no preferido do povo.

E, nesse caso, por favor!, resistam à tentação de tentar mudar de povo. Seria mais conveniente tentar educar as elites. Fala-se aqui em defesa da política.

A minha pergunta permanente a quem se propõe a liderar um amplo arco de alianças é esta: “Com que 
finalidade?” Sei por que FHC foi buscar o PFL. Sei por que Lula atraiu o centrão. Mas não saberia dizer por que Dilma formou um dia uma maioria. Ela queria o quê?


A minha pergunta permanente a quem se oferece como o guerreiro solitário é esta: “Como pretende governar sem o Congresso?” Até onde alcanço a ciência política, até onde a história instrui, até onde o passado é eloquente, a solidão do demiurgo é que conduz ao descaminho do populismo ou do autoritarismo. A regra vale para o ogro e para o rei-filósofo. Conhecemos um, não outro, e ambos não prestam.

O reacionarismo “naïf” de Jair Bolsonaro, que provoca a indignação compreensível, mas também ingênua e contraproducente, da imprensa, é infinitamente menos importante do que o fato de ele estar sozinho em sua empreitada. É um erro imaginar que o pouco apreço pelos direitos humanos está para Bolsonaro como as alianças estão para os políticos ditos “tradicionais”. Tal consideração é expressão de analfabetismo político.

Sim! Políticos fazem besteira. Aqui e no mundo. Eles também mentem. Uns mais, outros menos. Há casos em que se trata de safadeza, má-fé, trapaça. E há a mentira benigna, no sentido de “sem gravidade”, como benigna pode ser uma doença: idealmente, não deveria estar lá, mas está. Não compromete a viabilidade do organismo que a abriga. Em alguns casos, uma existe porque o outro está vivo.

Sempre que um político abre mão da sua convicção em nome de uma solução intermediária, já que o ótimo não pode ser inimigo do bom, está mentindo um pouco. Ainda bem! Ou não haveria política, e nos degradaríamos na luta entre gangues avessas a qualquer forma de diálogo e concessão. A política é sinônimo da escolha do mal menor e um dos caminhos da virtude, como na “Ética a Nicômaco”, de Aristóteles.

É preciso apelar explicitamente a livros quando se volta a falar em queimar livros. É preciso falar de livros no país que fez do Museu Nacional a pira de sua condenação ao atraso. A depender do que aconteça em outubro, vamos provar ao mundo que queimamos o futuro com ainda mais desassombro do que queimamos o passado.

Fascistas de esquerda e de direita não gostam dessa conversa. Eles só acreditam em disrupção. Uns querem a revolucionária; outros, a reacionária. Uns nos convidam a romper o pacto de civilidade em nome dos amanhãs sorridentes; outros, em nome do país “grande de novo”. Os fascistas de esquerda estão certos de que podem controlar a história rumo ao futuro da igualdade e da justiça — desde que esmaguem seus inimigos de classe. Os de direita estão convictos de que é preciso resgatar a ordem passada, solapada pela insolência de seus inimigos naturais.

“E você, Reinaldo?” Eu aposto na política e sua indeterminação. “Mas e a corrupção?” A faxina serve ao nosso conforto e sanidade física e moral. Mas a casa não existe para ser faxinada. Sua razão de ser é nos abrigar. Com nossas imperfeições.

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