Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo
Descrição de chapéu Eleições 2018

Está em curso uma caçada irracional à política e aos políticos

Governos flagrados costumam aprovar leis para moralizar a vida pública

Está em curso uma verdadeira caçada àquilo que os tontos e os oportunistas chamam “a política tradicional”. As ações de improbidade administrativa, por exemplo, se transformaram em meros instrumentos de perseguição política, aplicável quando o Ministério Público se dá conta de que inexistem evidências para uma ação penal.

Uma ação de improbidade, diga-se, motivada por supostas irregularidades numa ciclovia, transformou em réu Fernando Haddad, que vai substituir Lula na chapa petista que disputa a Presidência. João Doria, do PSDB, candidato ao governo de São Paulo, já foi condenado em primeira instância em ação da mesma natureza —no caso, com perda dos direitos políticos. Teria associado sua imagem a um programa da prefeitura. A Justiça Eleitoral investiga se Geraldo Alckmin, presidenciável tucano, recorreu a dinheiro de caixa dois em campanhas passadas.


Até a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), que é um Deltan Dallagnol que fala bolsonarês, chegou a ser alvo de especulações. Afinal, em 2016, o STF inventou que réus não podem assumir a Presidência nem como interinos. Se é assim, pergunte-se: como um réu poderia se eleger presidente? A indagação faz sentido, sim! Ocorre que ela é a derivação lógica de um delírio do direito criativo.

Governos flagrados com a boca na botija costumam promover a aprovação de leis para “moralizar” a vida pública e acabam por colocar uma canga no pescoço da própria democracia. 

A Lei da Improbidade Administrativa, por exemplo, foi sancionada por Fernando Collor no dia 2 de junho de 1992. Ele caiu no dia 2 de outubro. A Lei da Ficha Limpa, outra aberração, foi sancionada por Lula em 2010 — aquele mesmo Lula que ficou por um fio em 2005 por causa do mensalão. A Lei das Organizações Criminosas, que traz as diretrizes da delação premiada, com todas as suas escandalosas licenciosidades para quem decide ser o larápio dedo-duro com ambições redentoras, foi sancionada por Dilma Rousseff no dia 2 de agosto de 2013, depois das jornadas de junho daquele ano, que começaram a abrir a trilha do impeachment no segundo mandato. É ela que fez de Joesley Batista quase um herói. Edson Fachin ainda tenta salvar a honra do cavaleiro da picanha sem mácula.

Eis aí o Trio Ternura legal não da moralidade pública, mas da instabilidade, uma vez que permite toda sorte de abusos. Com essa trinca na mão, o Ministério Público e setores do Judiciário decidiram governar o país. E fizeram isso que está aí. Vou, sim, leitores, dizer em quem vocês têm de votar nas eleições de outubro para fortalecer a democracia, reforçar os fundamentos do sistema e arejar as virtudes da escolha direta dos governantes. Votem em pessoas elegíveis, investigadas ou não. Só em regimes fascistas a presunção de culpa solapa a presunção de inocência. Combater a corrupção é um dever de todas as pessoas de bem, não uma meta de governo. Quem toma uma coisa por outra é vigarista.

Pessoas como este escriba, que não foram aquinhoadas com imaginação arbitrariamente legiferante, veem dias um tanto sombrios. Um conservador é necessariamente pouco criativo em matéria legal e não confunde o combate às iniquidades com a agressão à institucionalidade democrática. Fascistoides de esquerda e de direita é que costumam agredir de forma sistemática o molde institucional em nome das urgências “do povo”, “da cidadania”, “da moralidade”... As expressões variam de acordo com o alinhamento ideológico do celerado.

Infelizmente, também a imprensa acabou tragada por esse surto de moralismo burro e irracionalidade que primeiro corta a cabeça do acusado para oferecer depois o direito de defesa. É o espírito desse tempo que permite que um fascistoide periférico assombre o processo político, agrida os fundamentos da sociedade livre que lhe franqueia a candidatura e faça tábula rasa dos princípios mais comezinhos da civilização.

Afinal, diz ele, “não sou corrupto; sou ficha limpa”.

​No terreno da racionalidade, há respostas certas e erradas. No da irracionalidade, que está em curso, só existem as certas. E estão sempre erradas.

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