Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro e o general Tiranolira Rex operam, por ora, o golpe da ilegalidade

Nem todo voto no 'Mito' é fascistoide, mas todo fascistoide vota no 'Mito'

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Tivéssemos tradição na literatura surrealista —há bons autores, não uma escola—, seria a hora de lançar mãos à obra. Jair Bolsonaro, sob a sombra do seu "esquema militar" e ameaçando arregimentar outros arruaceiros como ele próprio, decidiu jogar o governo, o sistema político e as eleições na mais escancarada ilegalidade. Há um golpe em curso, que não depende dos soldados de Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa. Seu palco de operações é o Congresso Nacional, e o general atende pelo nome de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que apelidei, em razão de suas artimanhas carnívoras, não da má vontade do escriba, de Tiranolira Rex.

A PEC que impôs o teto da alíquota de ICMS para combustíveis, energia, telecomunicação e transporte público é ilegal. Fere o pacto federativo, além de determinar perda permanente de receita para estados e municípios. Definir produtos ou serviços como essenciais para violar a Constituição é patranha amadora. Mas triunfou. Tiranolira tem as emendas do relator. E elas lhe facultam, em companhia de Bolsonaro, o comando do governo mais corrupto da história.

Lira e Bolsonaro conversam durante evento em Brasília - Evaristo Sá-26.abr.22/AFP

Até o chilique monocrático e "liberaloide" de Paulo Guedes ao reduzir por decreto o IPI, sob o pretexto de incentivar a produção, poderia ser questionado na Justiça. A decisão ignora que o governo renuncia a uma arrecadação que não é sua. Mais de metade desse dinheiro iria para estados e municípios por intermédio dos fundos de participação. Eis a turma que prometia mais Brasil e menos Brasília. É uma gente que seria apenas debochada não fosse também a incultura em sentido amplo, muito especialmente a democrática.

A PEC "Ai, que Medo de Lula" —pronuncia-se a expressão com acento à Narcisa Tamborindeguy— representa um momento único do Legislativo Brasileiro. Jamais um só texto violou tantos códigos legais ao mesmo tempo: a Lei Eleitoral, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição. Essa gente escarnece das instituições e prepara uma armadilha para a oposição. Se esta se opusesse de peito aberto às "generosidades", Bolsonaro moveria a máquina de difamação para acusar os adversários de prejudicar os mais pobres, os caminhoneiros, os taxistas, os idosos... Deve-se, nesse caso, fazer o oposto de certo poeta: não perder a vida por delicadeza...

Também é inconstitucional a manobra para não instalar a CPI do MEC, que foi transformado em templo da ignomínia e da indecência. Por lá se falavam línguas estranhas, mas não por obra do Espírito Santo. Era só o argentário capiroto da estupidez, da cupidez e da ignorância se manifestando e punindo os mais pobres. Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado, que já elogiei aqui, cedeu ao desbunde reacionário e ilegalista.

O presidente da República e a cúpula do centrão —convertida ao golpismo legiferante, com as emendas do relator nas mãos— estão chamando para a briga o STF, que não deve ceder à provocação. Se o fizesse, o caos poderia se sobrepor à desordem. Bolsonaro atinge o estado da arte das manobras a que se dedica a extrema direita mundo afora: manieta o Poder Judiciário na certeza de que, se este exercesse suas prerrogativas, criar-se-iam as circunstâncias para a disrupção que chamam "libertadora". Não por acaso, continua a incentivar o ataque dos cães contra os tribunais.

Eis aí a resposta que o próprio presidente dá àqueles que, em 2018, o escolheram como instrumento possível contra o PT, na esperança de que o estado de direito se encarregaria de mudar os hábitos alimentares do lobo, tornando-o vegetariano. Tratou-se de uma leitura verdadeiramente herbívora da realidade e do futuro. E há os que já esqueceram tudo sem aprender nada.

Uma nota de rodapé: é evidente que nem todo mundo que vota no "capitão" é fascista —eu emprego o termo "fascistoide". Mas não é menos evidente que todos os fascistoides votam no "capitão". Isso significa alguma coisa? Significa.

Outra nota de rodapé: é absolutamente legítimo não gostar de Bolsonaro, de Lula, de Ciro Gomes, de Simone Tebet ou de J. Pinto Fernandes. Ocorre que há os que dão de ombros também para a incitação golpista em nome de sua "radical independência intelectual".

E isso também significa.

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