Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Lugar dos inimigos da sociedade aberta é a cadeia

A PGR de Augusto Aras e a de Rodrigo Janot são males distintos e combinados

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É constrangedor assistir aos arroubos condoreiros de "principistas", movidos por brios que pretendem libertários, revoltados porque pessoas de quase fino trato foram chamadas a responder por suas maquinações golpistas. Sentem aquela comichão para defender a "liberdade de expressão". E indagam em tom exclamativo: "Quer dizer, então, que não podemos pregar golpe de estado nem num grupo de zap!?" Não podem.

Ou podem. Mas têm de prestar contas à Justiça caso isso venha a público. A propósito: quais outros crimes, além dos tipificados nos Artigos 359-L e 359-M do Código Penal, poderiam se prestar a, digamos, divagações diletantes? Pedofilia? Assalto a banco? Narcotráfico? "Ah, não vamos misturar". Não misturo. Mas quero saber com quais crimes se pode flertar e por quê.

Grupo de manifestantes ligado à bancada feminista do PSOL protesta na loja da Havan de Osasco para cobrar investigação dos empresários bolsonaristas que defendem o golpe de Estado - Bruno Santos - 23.ago.22/Folhapress

De resto, pergunte-se: serão mesmo apenas "divagações diletantes"? Pois é... Moraes atendeu a um pedido da PF. O ministro é relator dos inquéritos das "fake news" e das milícias digitais, que sucedeu o dos atos antidemocráticos, arquivado a pedido desta impressionante Procuradoria-Geral da República. A despeito das evidências, o órgão nada viu que merecesse a devida persecução penal. Assiste-se, sob Augusto Aras, ao colapso da PGR, que Rodrigo Janot já havia mandado para o buraco. Há mera adição onde parece haver contradição entre antecessor e sucessor. São "males distintos e combinados".

Estamos desaparelhados ainda —e que democracia não está?— para enfrentar o assalto à legalidade promovido pela extrema direita. Os nefelibatas do democratismo tornam a resistência ainda mais difícil porque apresentam restrições à investigação oriundas da era dos crimes analógicos. Nesse ponto, tenho de lidar com livros. É preciso ler "O Povo contra a Democracia", de Yasha Mounk, e "Como as Democracias Morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Guarde um lugar para "Fascismo – Um Alerta", de Madeleine Albright.

Ou bem nos ocupamos da investida dos extremistas para capturar e solapar as defesas que têm o estado democrático ou ficaremos a brandir espadas retóricas contra moinhos de vento, vencidos pelo exército informal que espalha "fake news" e pestilência e convoca os insanos para a ação direta, a exemplo do que viu no Capitólio.

A percepção original do "paradoxo da tolerância" tem a marca de Karl Popper em "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos". Você precisa ler. Era um conservador de instituições, não de iniquidades. Em nome dos seus valores, uma democracia não pode permitir que atuem livremente os que querem destruí-la em nome dos deles. Ou: "Se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles". Não é tão difícil de compreender.

A mesma PGR que, por intermédio de Lindôra Araújo, informou à ministra Rosa Weber ser contra a abertura de inquérito para apurar se Bolsonaro cometeu crime no caso da pantomima com os embaixadores endereçou a Moraes críticas à operação contra os empresários.

Naquela mensagem enviada à ministra Rosa, o braço direitíssimo de Aras chegou a criticar os peticionários que recorreram ao STF com uma notícia-crime. Mandou para o lixo o Inciso XXXV do Artigo 5º da Constituição, que é taxativo: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Vai ver se recorre tanto ao STF porque já não se dá um tostão furado pela PGR.

Na petição enviada a Moraes, a subprocuradora-geral inventou artigo próprio do Código de Processo Penal. Por ele, o pedido de medidas cautelares seria monopólio do Ministério Público. No CPP que serve ao Brasil não é assim. Gente que confunde crime com liberdade de expressão ainda acabará reivindicando a liberdade de redigir as próprias leis.

Fiquei com a impressão de que a doutora quer saber o que a PF já sabe, em inquérito ainda em curso, sobre empresários flagrados em elucubrações contra a democracia. Alguns são interlocutores de Aras.

Lugar de golpista é a cadeia. Prometo enviar a eventuais condenados um exemplar de "O Pequeno Príncipe". Que tenham ao menos a chance de ser pessoas melhores.

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