Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Governo Lula, para gregos e baianos, faz cem dias na segunda

Foi preciso voltar para o futuro para propor novo arcabouço fiscal

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Na segunda (10), o governo Lula faz cem dias. Operou um retorno para o futuro. Foi preciso reconstruir o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Mais Médicos, o Programa de Aquisição de Alimentos, o diálogo com a China, a política ambiental, as relações exteriores... "É pouco; tudo coisa velha". Não tenho contra-argumento para o que nem errado consegue ser. Como na conhecida piada, é impossível jogar xadrez com pombo.

A 26 de março de 2019, escrevi aqui um texto sobre o terceiro mês de governo Bolsonaro. Doze dias antes, o ministro Dias Toffoli, então presidente do STF, abrira de ofício o inquérito 4.781, o tal das "fake news", com relatoria de Alexandre de Moraes. As milícias digitais já haviam transformado o tribunal no seu alvo principal. Os dois apanharam uma barbaridade da e na imprensa. Defendi de pronto a estrita legalidade daquela decisão, a primeira de uma série, nos limites da competência da Corte, que concorreram para preservar o estado de direito. As antenas do jornalismo falharam miseravelmente nesse caso.

Lula diante de bandeira do Brasil e de bandeira com o brasão da República
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

Exatamente dois meses depois daquela coluna, acontecia o primeiro ato golpista, com patrocínio do Planalto. E a canalha não parou mais. Até resultar no 8 de janeiro de 2023. O mal-estar continua entre nós e mata crianças. Maus contadores da história gostam de acusar o Supremo de ter esticado a corda, o que teria levado o então presidente à radicalização. Mito. A escalada fascistoide começou já nos dois discursos de posse. Ele não precisava de motivos, só de pretextos.

Destaquei naquele texto o desempenho institucional de Fanfarrão Minésio. Transcrevo: "Cometeu crime de responsabilidade, diz a lei, quando agrediu o decoro e propagou um filminho pornô. Vá lá. A coisa ganhou um tom até meio apalhaçado como consequência da estupefação geral. Mas ele se mostra insaciável nos seus três meses. A ordem para ‘comemorar’ o golpe militar de 1964 — e o verbo foi empregado pelo porta-voz — e sua visita à CIA, onde, confessadamente, tratou da crise na Venezuela, agridem, respectivamente, os valores contidos nos Artigos 1º e 4º da Constituição."

E prossegui: "A mesma lei 1.079 que depôs Dilma Rousseff considera, no item 3 do artigo 5º, ser ‘crime de responsabilidade contra a existência da União cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade’. O Artigo 7º aponta como ‘crimes de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais’ as seguintes práticas: "incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina’ e ‘provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis’. O mesmo artigo, no item 5, dispõe a respeito da destituição do fiscal do Ibama, ato do ministro Ricardo Salles: é crime de responsabilidade ‘servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão".

E houve a penca de crimes comuns. Seu primeiro ato foi um decreto facilitando o porte de armas. Outros vieram. Não demorou para que as organizações criminosas usassem a licença de CAC para o tráfico de armas. O vírus do ódio se disseminou. Em 21 anos, houve 22 ataques a escolas no país; 12 deles se deram de 2019 para cá. Veio a pandemia, e o Brasil entrou no mapa dos Estados que praticam a necropolítica.

Lula venceu um golpe de Estado, pôs fim ao genocídio yanomami e apresentou uma proposta de marco fiscal que até Roberto Campos Neto se vê obrigado a elogiar, embora continue a cavalgar o Pégaso dos juros para o delírio poético de maus liberais do século passado. Já li muitas vezes, metáfora compreensível, que o tal arcabouço é uma tentativa de agradar a "gregos e troianos". Vamos de Homero: não eram diferentes nem na religião. Trata-se de contemplar, evocando o poeta e crítico José Paulo Paes, "gregos e baianos". Afinal, a civilidade política tem uma dívida de gratidão com estes últimos, pouco importa o Estado de origem. Os reais e os simbólicos salvaram a democracia. São cem dias de volta ao Século 21, com todos os seus sortilégios. E com os baianos no Orçamento. Para a fúria dos gregos. Hora de ajeitar as antenas.

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