Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Reinaldo Azevedo

Chegou a hora de ler 'Os Lusíadas' para instruir o catastrofismo reacionário

Em ciências sociais, como é a economia, as escolhas ideológicas viram matemática

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Não sei se me preocupo ou suspiro aliviado, mas o fato é que voltou a circular a Teoria da Sorte para justificar os erros de prognósticos sobre o governo Lula feitos por analistas —alguns deles vazados naquele fatalismo trágico e pouco emocionado, assim como a folha seca de Didi, que inicia a sua trajetória descendente, desprezando a curva da parábola e desgraçando a vida do goleiro. Pelo visto, nada do que já não foi também não será... "O presidente tem sorte!" Nem por isso cessarão as antevisões catastrofistas...

O presidente Lula (PT) em cerimônia de assinatura de contrato para financiamento de obras de infraestrutura para Pernambuco, no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Lula (PT) em cerimônia de assinatura de contrato para financiamento de obras de infraestrutura para Pernambuco, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 12.jul.23/Folhapress

Quando professor, gostava especialmente das aulas sobre "Os Lusíadas". No Canto IV, há o tal episódio do Velho do Restelo. Ele aparece para advertir os portugueses sobre os desacertos e contratempos que virão em razão de sua ambição. Simbolicamente, Idade Média e Renascimento se confrontam ali. Ganhar o mundo ou ficar preso ao que já se sabe? Ousar o novo ou reiterar o consagrado? Com alguma sorte, leitores hão de ter alguns ecos ainda na memória das advertências que fez o ancião a Vasco da Gama e aos seus: "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça/ Desta vaidade, a quem chamamos Fama!/ Ó fraudulento gosto, que se atiça/ C’uma aura popular, que honra se chama!/ Que castigo tamanho e que justiça/ Fazes no peito vão que muito te ama!/ Que mortes, que perigos, que tormentas,/ Que crueldades neles experimentas!"

Mesmo assim, os navegantes saíram ao mar. Ainda bem. O pensamento reacionário tem seu apelo. Como, no fim das contas, nada mesmo se leva desta vida, "a única conclusão é morrer", escreveu outro poeta. Então deixem de lado qualquer tentação porque ela só servirá à desorganização do que está dado. O novo rompe os liames dos nossos costumes, e nada se tem de bom ao fim...

Isso, seja lá o que for, que identificam como "liberalismo brasileiro" transformou-se, em boa parte, num conforto preguiçoso, tendente a não enxergar um palmo adiante do próprio nariz teórico. E, por certo, sem a mesma verve do Velho — porque, afinal, a dele era a de Camões, e a dessa turma é pautada por apostas um tanto mais mesquinhas, no sentido de "pequenas", não de "moralmente condenáveis". Não vejo pelo prisma do moralismo as atividades "Duzmércáduz". Só não acato o achismo interessado como maldição.

Não estou comparando, por óbvio, Lula e Fernando Haddad a Vasco da Gama e aos seus, embora anteveja sortilégios pela frente. Em alguma curva de uma nova África metafórica da economia, há de se alevantar um Gigante Adamastor... Se bem que o titã até foi gentil com os navegantes, né? "Ó gente ousada, mais que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,/ E por trabalhos vãos nunca repousas"...

Li há pouco uma entrevista ao Valor de Renato Ejnisman, vice-presidente de atacado do Santander. Segundo diz, "o Brasil voltou à vitrine global". Não creio que seja um desses propagandistas, que habitualmente dizem ou escrevem coisas favoráveis ao governo, com ou sem o concurso de um brigão, boêmio e caolho. Não é o único. Outros executivos obrigados a oferecer resultados a quem lida com dinheiro grande também apontam —e estamos, quando escrevo, apenas no 13º dia do sétimo mês de governo— a mudança da "sorte". Até agora, não se cumpriram as predições do Velho. Começaram —e é da natureza do catastrofismo se antecipar— em novembro, quando Lula negociava a PEC da Transição.

A propósito: no procedimento em que eu via especial habilidade —erigir um dos pilares da reconstrução antes mesmo de assumir o cargo—, anteviram o caos, alguns com muito mais credenciais do que eu para debater economia. E observo que não trato com desdém o saber especializado. Ao contrário: sou sempre reverente, mas não acrítico. Em matéria de ciências humanas e sociais, como é a economia, as escolhas políticas, ideológicas, éticas e morais contam mais do que a matemática, cujo valor é tão fundamental como instrumental.

Que bom que os antecipadores de apocalipses estavam errados. E nem por isso acho que devam refrear o fel de sua pena. Recomendo o Canto IV de "Os Lusíadas". Nada instrui sobre economia, mas pode refinar o estilo e iluminar os caminhos da tolerância com a divergência. De todo modo, viva a sorte! O contrário seria pior.

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