Reinaldo Azevedo

Jornalista, autor de “Máximas de um País Mínimo”

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Descrição de chapéu juros

Avaliação da S&P sobre a economia enraiveceu o complexo de vira-lata

Extremistas de centro ainda são reféns da fantasia da dupla negação

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Parece ter havido um misto de surpresa e decepção em certos ambientes diante da notícia de que "a agência de classificação de risco S&P Global Ratings melhorou nesta quarta (14) a perspectiva de longo prazo do Brasil de estável para positiva", repetindo as primeiras palavras da informação publicada nesta Folha. Não é que essas pessoas sejam más e gostem de ver o país encalacrado. Nunca especulo sobre a maldade humana porque campo muito vasto. Atenho-me ao mais restrito: o dos interesses. "Então torcem para que tudo dê errado?" Não. É que previsões e antevisões, também as pessimistas, têm preço. E há, ademais, cortes que são de natureza ideológica, quase invencíveis.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista para a imprensa sobre a melhoria do brasil no ranqueamento da agência de risco S&P Global Ratings, em Brasília
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista para a imprensa sobre a melhoria do brasil no ranqueamento da agência de risco S&P Global Ratings, em Brasília - Diogo Zacarias - 14.jun.23/Ministério da Fazenda

Já identifiquei aqui, certa feita, um fenômeno tão nativo como nunca foi a jabuticaba (que existe mundo afora): o "extremismo de centro". Grupos influentes da sociedade brasileira, especialmente na imprensa, viraram reféns de um candidato-fantasma que apelidei, já em 2020, de "nem-nem": nem Lula nem Bolsonaro. E a sua feição seria então, constituída por uma dupla negação. Na origem, havia a hipótese falsa —e, pois, sem teoria possível— da "polarização". O polo oposto da extrema-direita, representada por Bolsonaro, só poderia ser um candidato de extrema-esquerda, o que o petista, obviamente, não era.

E há, ainda hoje, quem conteste o choque dos extremos com outra quimera: a dos opostos combinados num valor comum. Assim, Bolsonaro encarnaria o populismo de direita, e Lula responderia com o de esquerda. E, enquanto isso, a razão encarnada pelos extremistas de centro, que reivindicam o ideário de um liberalismo sem contornos muito nítidos, ficaria à míngua, na sarjeta, lamentado, como num poema de Camões, "o desconcerto do mundo". E isso, claro!, tem implicações intelectuais, existenciais e até morais e éticas. Se a grande maioria se perde nos labirintos de males "que se estreitam num abraço insano", há o risco de o bem fugir para uma caverna, e só uma seita de iniciados teria acesso à verdade. Assim nascem os fanáticos.

Não é, como sabem, o meu ponto de vista. Ainda que levando algumas cotoveladas, porque economista não sou, entendi necessária a PEC da Transição como precondição para enterrar a era do desastre e para dar condições mínimas de gestão ao eleito nas urnas. Com menos instrumental teórico do que alguns expertos (com "x"), entendi que o arcabouço fiscal, ainda em votação, era o melhor plano dentro do possível. Não raro, as críticas mais duras ao texto partiam do princípio de que o presidente era outro, de que os eleitores eram outros, de que o Congresso era outro. Queriam o bom plano do país que não há. Os extremistas de centro cultivam, às vezes, um idealismo meio rancoroso.

Não sei se a S&P "fez o L", mas intuo que não. É claro que ela pode estar errada sobre as virtudes do arcabouço. Mas indago com gentileza: não seria mais prudente considerar a hipótese de que seus analistas estão menos contaminados por "afetos de tristeza", como escreveu o filósofo, e conseguem ver a realidade sem se deixar enlear por aquela bolha da dupla negação, em que se criou a bobagem da falsa polarização?

Voltou a circular por esses dias um vídeo em que Beto Sicupira, um dos grandes acionistas das Americanas, explica à audiência, num evento de 2014, como vê o país: "O Brasil é isso aí. Se vocês tão achando que o Brasil é um negócio que vai virar os Estados Unidos, vocês estão no lugar errado. (...) Porque o Brasil é o país do coitadinho, é o país do direito sem obrigação, é o país da impunidade". A cada diatribe do bilionário, a plateia de pobres basbaques ria com satisfação, entendendo, por óbvio, que brasileiros são os outros. Era um riso de vira-latas — e aqui, obviamente, faço alusão a Nelson Rodrigues. O rombo nas Americanas chega a R$ 50 bilhões. Uma tramoia contra coitados, urdida por pilantras — quantos deixaram de cumprir suas obrigações? —, na certeza de que sairiam impunes.

Quem sabe um olhar estrangeiro contribua para nos proteger de nós mesmos. Ou, ao menos, das fantasias do extremismo de centro, que lembra, muitas vezes, os lamentos de Hardy, a hiena triste, ainda que ela estivesse a serviço da própria melancolia apenas.

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