Reinaldo José Lopes

Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

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Reinaldo José Lopes

Saguis de subúrbio e a magia dos nomes

Primatas comuns no Brasil parecem usar denominação vocal para colegas de espécie

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É muito difícil tirar da cabeça a ideia de que existe algo mágico na capacidade de atribuir nomes a outros indivíduos e a si mesmo. Na gramática mítica que parece reger quase todas as culturas antigas da nossa espécie, o nome e a pessoa são, em grande medida, a mesma coisa. Um nome verdadeiro equivale à essência individual de alguém e, portanto, quem conhece essa palavra adquire uma espécie de poder sobre o possuidor do nome. Mas e se outros animais além de nós também dominarem uma forma rudimentar dessa bruxaria?

Já faz vários anos que essa ideia tem ficado cada vez menos estapafúrdia. Golfinhos-nariz-de-garrafa e elefantes-africanos, pelo que indicam diversas pesquisas, parecem ser capazes de produzir sons especificamente dedicados a designar a si mesmos e/ou a companheiros de espécie. OK, dirá o leitor, golfinhos podem entrar nessa lista de nomeadores pela suposta genialidade; os elefantes, por serem intrinsecamente majestosos. Mas permitir que meros saguis sejam admitidos a essa confraria? Aí já é demais.

Bem, não se depender de um grupo de pesquisadores israelenses, que estudaram as vocalizações do bicho num estudo que saiu nesta semana. Repare, aliás, que não se trata nem de algum tipo muito especial de pequeno primata, mas do ordinaríssimo mico-estrela ou sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus). O bicho é originário do Nordeste, mas anda ficando tão comum que acabou se tornando espécie invasora ao ser introduzido nas demais regiões do Brasil. Qualquer pedacinho de mata, por mais exíguo que seja, parece ser suficiente para abrigá-los.

A imagem mostra um macaco olhando para a câmera enquanto está parcialmente escondido atrás de um tronco de árvore. O fundo é desfocado, com vegetação verde ao redor, destacando o animal.
Sagui-de-tufo-branco no parque da Independência, na zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari - 21.jan.2022/Folhapress

Em artigo na revista especializada Science, uma equipe liderada por David Omer, da Universidade Hebraica de Jerusalém, descreve como usou uma combinação de gravações em laboratório e análise computacional para tentar decifrar, afinal de contas, o que pode estar acontecendo nas "conversas" entre os miquinhos.

Com chamados que parecem assovios extremamente agudos, os saguis costumam manter contato com os membros de seu bando conforme passeiam pelas árvores (ou, às vezes, pelos fios da rede elétrica). O ritmo da comunicação é tal que os bichos, de fato, parecem estar se revezando em "perguntas" e "respostas", o que dá a impressão de uma espécie de diálogo.

Analisando mais de 50 mil chamados de dez saguis, pertencentes a três grupos familiares diferentes, os pesquisadores de Israel detectaram variações sutis na estrutura sonora dos assovios após gravar interações entre diferentes pares de membros desses grupos. Depois, veio o pulo-do-gato (ou, quiçá, do mico) no experimento: eles tocaram gravações desses chamados para os macacos. Mas, em certas circunstâncias, o chamado reproduzido tinha sido emitido, de fato, por um sagui que tinha interagido de verdade com o receptor; em outras, o chamado fora usado originalmente com outro indivíduo.

Resultado: o sagui reagiu rapidamente, como se dissesse "Oi? Você me chamou?" no primeiro caso, mas não no segundo.

É o que os especialistas chamam de "etiquetagem vocal". Mas, se os autores do estudo estiverem corretos, não seria absurdo dizer que se trata de um protonome. Eis mais um indício de que essa forma aparentemente tão única de magia não começou conosco, afinal de contas.

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