Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios no ar
Na sequência de "Futuros Amantes", Chico Buarque imagina um futuro distante. Passados milhares de anos, o Rio de Janeiro se tornará uma cidade submersa. Novas palavras, códigos, gestos, hábitos, rotinas formarão uma nova civilização.
Mas o que importa aqui é o que vem depois. Cartas, poemas, mentiras, retratos, vestígios, ecos de antigas palavras são capazes de tocar os amantes do futuro. E o próprio tempo vai parar pra ouvir.
Não sei se duraremos milênios e milênios. Com a iminência das mudanças climáticas, o Rio deve virar uma cidade submersa antes disso. Talvez não seja necessário esperar tanto.
Num Rio não muito distante, milicianos virão explorar sua casa, seu quarto, suas coisas. Pastores ficarão com as almas, desvãos.
Uma civilização não muito distante vai aplaudir torturadores, chacinas policiais e vai se regozijar com a condenação de mulheres por crimes cometidos por homens estupradores.
Ecos de likes, reels, Tiktoks, postagens anestesiarão as palavras. Zumbis vagarão ansiosos com os olhos nas telas. Presos num presente extremo, onde tudo é importante. E, claro, nada é importante.
Esse futuro nos distancia da delicadeza e da profundidade de uma canção de Chico Buarque. Da retidão, da insubordinação e da elegância da personalidade de Chico Buarque. Das nuances, das sugestões e da beleza. Uma distopia cada vez mais distante da utopia.
Mas Chico é sabido. Deixou vestígios maiores que o tempo. São bonitas, não importa, são bonitas as canções. Sua música é a civilização. O Brasil é que precisa, quem sabe então, fazer jus a Chico Buarque.
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com a canção que o Chico
Deixou pra vocês
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