Quando, após o debate com Lula, Jair Bolsonaro respondeu a um jornalista português que não tinha entendido a sua pergunta porque não falava espanhol ou portunhol, vivemos um momento histórico na história da linguística.
Eu já tinha visto alguém alegar que não falava uma língua estrangeira; nunca tinha visto alguém confessar que não falava a sua própria língua. O jornalista ofereceu-se para repetir a pergunta, mas o ainda presidente disse que não valeria a pena repetir, porque ele continuaria a não entender.
Não sei se estão a ver o problema: para responder que não vale a pena repetir é preciso ter entendido que alguém propusera repetir. O jornalista entendeu as palavras de Bolsonaro, que entendeu as do jornalista. Nada mau, para quem não fala a mesma língua.
A conversa decorreu em português, língua que ambos falam, embora um deles o negue. Assim como Monsieur Jourdain descobriu, com assombro, que havia falado em prosa durante toda a sua vida, também um dia Bolsonaro irá verificar, igualmente espantado, que se tem exprimido em português há décadas.
Gostaria de estar lá nesse momento. Por outro lado, talvez não gostasse, uma vez que há a possibilidade de esse momento ocorrer na prisão.
No entanto, 48 horas após a vitória de Lula nas eleições, todos começamos a desconfiar que Bolsonaro não falava língua alguma. Foi um silêncio bastante longo e, em certa medida, admirável.
Que Bolsonaro tivesse ficado dois dias calado impressionou toda a gente que não costuma ser capaz de sofrer em silêncio. O resultado das eleições deve ter machucado muito, e mesmo assim não se ouviram os gritos nem os queixumes do futuro ex-presidente durante dois dias inteiros.
Entretanto, o Palmeiras sagrou-se campeão brasileiro, o que significa que os seus jogadores entendem o português de Abel Ferreira. Devem, aliás, entendê-lo muito bem, tendo em conta que este foi o sexto troféu que conquistaram em apenas três anos. Neste momento, aguardo com ansiedade o momento da saída de Bolsonaro do governo, para que ele possa ter mais tempo livre, que pode aplicar a aprender essa língua estrangeira que é o português. Boa sorte e um beijo, Bolsonaro. De língua.
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