Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

'Te amo' é resposta brasileira à dificuldade de amar em português

Em Portugal dizemos 'amo-te', uma palavra que no sotaque europeu parece mais um rosnado do que um arrebatamento

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Devo ao padre Joaquim Lourenço, um franciscano velhinho que foi meu professor entre 1984 e 1986, muito do que eu sei sobre língua portuguesa. Foi ele que me ensinou que as palavras tinham uma sílaba tônica —e que um bom método para a encontrar consiste em chamar a palavra como se chamássemos um amigo.

Ó máááááquina indica que a palavra máquina é esdrúxula. Ó apiiiiito revela que a palavra apito é grave. Ó cafééééé mostra que a palavra café é aguda.

No desenho de Luiza Pannunzio um casal de cabelos pretos curtos, camisetas listradas e calças compridas se abraçam fortemente. A pessoa do lado direito está com os pés sobre os pés da pessoa do lado esquerdo. Há um coraçãozinho preto flutuando logo acima deles.
Ilustração de Luiza Pannunzio para a coluna de Ricardo Araújo Pereira - Luiza Pannunzio

Meu amor pela língua é sincero e desinteressado, embora eu viva dela. E, apesar de ser um amor obsessivo, não sou um desses comichosos da gramática e picuinhas da língua.

Não sei se as palavras "comichosos" e "picuinhas" são frequentes no português do Brasil, mas felizmente são expressivas a ponto de não deixarem dúvidas sobre o que significam.

Sérgio Rodrigues, que leio sempre com prazer nesta Folha, costuma exasperar-se com os comichosos e os picuinhas.

Foi por ele que soube que uma página de internet dedicada ao português desaconselha o uso da expressão "te amo" porque "não se pode começar frase com pronome oblíquo átono".

Ora, a formulação "te amo" é uma excelente resposta brasileira à dificuldade de amar em português. No português de Portugal nós dizemos "amo-te", uma palavra essa sim verdadeiramente átona que, dita com o sotaque europeu, parece mais um rosnado do que um arrebatamento apaixonado.

Boas alternativas são difíceis de encontrar. Em tempos propus a substituição de "amo-te" por "estimo-te intensamente", esperando que a aliteração do t animasse a declaração, até por remeter para o som festivo das latas que se costumam atar ao carro dos recém-casados.

A minha sugestão não foi bem-sucedida. Ninguém aceitou passar a estimar intensamente, e o problema é tão grave que, muitas vezes, por falta de alternativas satisfatórias, falantes de português decidem cair nos braços da língua inglesa, caso de Marisa Monte quando celebremente declarou "amor, I love you".

Mas a opção brasileira por "te amo" merece encorajamento, e não repúdio. Ao contrário do que sugere a página citada por Sérgio Rodrigues, a expressão "te amo" não começa com um pronome átono. Ou melhor, talvez comece se for eu a proferi-la com o sotaque português. Mas um brasileiro não diz "te amo". Diz "tchi amo".

E "tchi" não é átono, é tônico. Tônico como um gin tônico, tanto que parece o som de um copo a bater no outro. "Tchi amo" é uma declaração de amor e um brinde. Ainda agora o amor começou e quem o declara já está a brindar a ele.

É uma excelente alternativa. Pelo menos, muito melhor do que "estimo-te intensamente".

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