Em 1729 foi publicado na Irlanda um panfleto anônimo intitulado "Proposta modesta para evitar que os filhos dos pobres na Irlanda se convertam em um fardo para os seus pais ou o país, extraindo-se deles benefício para a comunidade".
A ideia do autor era simples: um amigo americano "muito instruído" lhe garantira que "a criança saudável e bem alimentada constitui, com um ano de idade, alimento delicioso, nutritivo e saudável, quer como guisado, quer assada, quer cozida no forno, quer escalfada".
De acordo com os seus cálculos, os pobres não gastariam mais do que dois xelins a criar os filhos até a idade de um ano, podendo depois vendê-los aos ricos pelo quíntuplo dessa quantia, uma vez que a "carcaça de um belo bebê engordado dará quatro pratos de excelente carne nutritiva".
Não sabemos muito sobre as reações que o panfleto gerou na época, mas não há registros de ter sido proibido. Pelo contrário. Em pouco mais de um ano, foi reeditado três vezes.
Ao que parece, os leitores reconheceram rapidamente o estilo de Jonathan Swift e entenderam a crítica ao domínio opressor inglês na Irlanda.
Em 1984, na reinauguração do Gaiety Theatre, em Dublin, o ator Peter O’Toole resolveu fazer uma leitura interpretada do célebre texto. O resultado foi o abandono em massa do teatro por parte de altos dignitários convidados.
No dia seguinte, um jornal local anunciava: "O’Toole defende leitura ‘repugnante’".
Alguma coisa terá acontecido, entre 1729 e os nossos tempos. Há quem considere que evoluímos e passamos a ter sensibilidade para condenar piadas inadmissíveis. Parece-me que regredimos e deixamos de ter sensibilidade para saber o que uma piada é.
No prefácio do livro "Antologia do Humor Negro", na qual figura a "Proposta Modesta" de Swift, André Breton escreve que o humor negro é "o inimigo mortal do sentimentalismo".
É isso mesmo. O alvo do humor negro —seja falando de bebês pobres, doentes terminais ou vítimas de catástrofes— é sempre as boas almas. Quem faz a piada na verdade diz: imagina o que aquela gente que se choca com piadas diria se me ouvisse.
Na verdade, o autor de uma piada de humor negro sobre bebês não tem nada contra bebês, nem lhes deseja mal. Quem procura fazer mal aos outros opta por métodos diferentes.
Piadas são um instrumento bastante insatisfatório para atingir este objetivo. É por isso que temos licença de porte de arma, mas não temos licença de porte de piada. Parece que o Brasil é um país violento.
Os tribunais devem se esforçar para punir os criminosos. Que um tribunal considere que o comediante Léo Lins seja um deles me deixa muito perplexo.
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