Tem sido dito que o presidente eleito da Argentina preza a liberdade, o que talvez não seja exato. Na verdade, Javier Milei nunca diz "viva la libertad", mas "viva la libertad, carajo".
Ora, uma coisa é a liberdade. Outra é a "liberdade, 'carajo'". São conceitos bem diferentes.
O "carajo" costuma transformar as coisas, torná-las mais brutas. Para perceber isso, basta fazer a experiência de dizer à nossa querida mãe "não vou querer sobremesa" ou "não vou querer sobremesa, 'carajo'" e ver o que acontece a seguir à mesa.
Em uma entrevista concedida no ano passado, Milei afirmou que um governo seu legalizaria a venda de órgãos humanos. Ele parece já ter vendido um dos seus. Aquele que habitualmente fica no crânio.
É que Milei alega conversar com o seu cão morto, através de um médium, pelo que talvez haja boas razões para desconfiar que tenha transacionado o órgão em questão.
Mas, lá está, legalizar a venda de órgãos é uma ocorrência de "liberdade, 'carajo'". Parece uma lei igual para todos, mas não é. Quem tem dinheiro nunca irá vender os seus órgãos. Poderá adquirir alguns, caso necessite, e agora saberá a quem comprá-los, mas não vai querer vendê-los.
Ao que parece, além de manter conversas com o seu cachorro morto, Milei também fala diretamente com Deus. Foi, aliás, o próprio criador que o incumbiu da importante missão de comandar a Argentina em direção à prosperidade.
Sendo Milei uma pessoa tão educada e ponderada, não é difícil supor que Nosso Senhor tenha tirado algum do tempo que dedica à administração do universo para pedir ao novo presidente que tomasse conta da Argentina. O programa de governo é o que Deus, ao que tudo indica, defende: a extinção dos ministérios de Saúde, Educação, Cultura, Ciência, Obras Públicas e Transportes e a privatização de todas as empresas estatais.
Haverá os hospitais e as escolas que o setor privado bem quiser, nos locais em que derem lucro, e a preços sem controle do Estado. Se forem necessárias estradas ou pontes ao país, caberá à iniciativa privada construí-las e mantê-las, desde que sirvam os interesses de alguns, e não de todos.
Milei quer que toda —mesmo toda— a propriedade seja privada. Embora ele prefira viver despojado dos bens mais banais possíveis.
Por exemplo, um simples pente. É óbvio que Javier Milei não tem um à disposição.
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