Ricardo Mussa

Engenheiro de produção, é CEO na Raízen desde 2020 e lidera a força-tarefa de transição energética e clima do B20 Brasil

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Democratização da energia e industrialização: como driblar os percalços

Sobreoferta de eletricidade poderá ser usada para descarbornizar pauta exportadora

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É um caminho sem volta. Nas grandes capitais, já é possível ver centenas de casas com a laje tomada por placas fotovoltaicas. Ou, nas regiões Sul e Nordeste, avistar das rodovias um sem-fim de hélices gigantes. Tais imagens cada vez mais presentes na paisagem revelam um cenário irreversível e bem-vindo: a democratização da eletrificação e a abundante oferta de energia renovável.

Empreendimentos de energia solar e eólica fazem parte de um acelerado processo que, a partir da virada do milênio, reforçou a capacidade do Brasil de gerar energia limpa e renovável. Juntas, as fontes impulsionadas pela luz do sol e pela força dos ventos representam 21% da matriz elétrica brasileira, que, por sua vez, é formada por 84,3% de fontes renováveis —incluindo os derivados de cana-de-açúcar (biomassa e etanol) e a água (hidráulica).

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Parque eólico no interior do Piauí - Lalo de Almeida/Folhapress

Um cenário que revela impactos positivos da democratização de fontes e das formas de comercialização para a vida do empreendedor brasileiro. Dados de fevereiro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) apontam que já são 16.791 as empresas que decidiram migrar para o mercado livre de energia elétrica —modalidade que permite a fornecedores e consumidores a negociação bilateral das condições do contrato: preços, prazo e fonte da energia, além de produtos e serviços.

Desse universo, 94% são firmas de menor porte, com contas de luz acima de R$ 10 mil e demanda abaixo de 500 kW. É um número bastante significativo e um reflexo direto de uma mudança regulatória eficiente, trazida pela portaria 50/2022, do MME (Ministério de Minas e Energia), e que concede, desde janeiro, o direito aos consumidores de média e alta-tensão de escolher o seu fornecedor de energia.

Antes, apenas quem tinha demanda superior a 500 kW podia migrar para o mercado livre. Ou seja: uma medida simples que beneficia quem mais precisa de um alívio nas contas, seja um microempreendedor que produz comida para entregas, seja um dono de padaria em uma rua popular.

Esse panorama positivo, porém, revela gargalos que colocam em risco a sustentabilidade de todas essas conquistas.

Uma projeção divulgada pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) mostra que, em 2028, o Brasil terá uma demanda de 110,98 GW (gigawatts) de energia, ante uma oferta que pode chegar a 281,56 GW ao final de 2027. A sobreoferta de energia renovável ainda não significa que o Brasil tenha como garantir o fornecimento em momentos de pico, uma vez que parte dessas fontes é intermitente ou sujeita a fatores climáticos, como El Niño, o que limita a segurança de abastecimento.

Mas, se por um lado há um risco de intermitência, por outro essa sobreoferta é uma grande oportunidade de industrialização para o Brasil. Podemos usar esse excedente para descarbonizar diversos produtos da nossa pauta de exportação, como celulose, etanol e metais, além de abrir a possibilidade de produção local de fertilizantes verdes e hidrogênio. Exatamente o que o mundo demanda para combater as mudanças climáticas.

A solução para tal quebra-cabeça não é simples, mas começa com melhorias no arcabouço regulatório e respeito aos contratos vigentes por parte do governo. O setor privado, por sua vez, tem capacidade e criatividade para encontrar alternativas à intermitência e, ao mesmo tempo, atrair capital para investimentos na indústria.

Esse círculo virtuoso poderá alavancar de forma certeira o aumento da oferta de energia renovável, favorecendo os esforços por uma economia de baixo carbono, inclusive na matriz de transportes, sem descuidar da segurança de abastecimento —lastro básico para o crescimento econômico e a geração de empregos.

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