Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon

Promessa mexicana de avançar no caso Odebrecht deve ser vista com ceticismo

Investigação pode causar instabilidade política, o que ameaçaria a agenda de AMLO

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O procurador-geral do México, Alejandro Gertz Manero, renderia um personagem em um filme de Pedro Almodóvar. Ele é um jurista octogenário, piloto, produtor de teatro e neto de um cônsul do Império Austro-Húngaro. Politicamente, também já foi tudo: de chefe da primeira operação patrocinada pelos EUA contra o tráfico no México, nos anos 70, a secretário de Segurança Pública do governo de centro-direita de Vicente Fox, nos anos 2000.

Em sua mais recente encarnação, foi escolhido, em janeiro, pelo presidente de centro-esquerda Andrés Manuel López Obrador (AMLO) para comandar a Procuradoria-Geral.

O presidente  Andrés Manuel López Obrador participa de evento na Cidade do México
O presidente Andrés Manuel López Obrador participa de evento na Cidade do México - 6.mai.19/Xinhua

Esta semana, a agência Reuters noticiou que Gertz Manero enviou ao ministro da Justiça do Brasil, Sérgio Moro, um pedido de ajuda para investigar o capítulo mexicano da telenovela da Odebrecht.

Enquanto circulava a mensagem por Brasília, Gertz Manero anunciou que apresentará em 60 dias seu caso contra a construtora. “Vamos pisar no rabo de muitos ratos e eles vão dar gritos horrorosos”, proclamou. Antes, a Odebrecht havia sido proibida de ter contratos públicos no México.

Mas há bons motivos para duvidar do procurador.

Ainda que em graus diferentes, as confissões da Odebrecht derrubaram gente graúda da política e do mundo empresarial no Brasil, Peru e Colômbia. No México, silêncio. Nenhuma autoridade foi presa, nem mesmo seriamente investigada.

A Odebrecht diz ter pago US$ 10,5 milhões em propinas por lá, de olho na estatal Petróleos Mexicanos (Pemex). Emilio Lozoya, que a presidiu de 2012 a 2016, teria sido o principal destinatário do dinheiro.

Antes da Pemex, Lozoya fora um dos chefes da campanha presidencial de Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), e a propina teria começado durante a disputa. No primeiro ano do novo governo, a Pemex deu a uma joint-venture da Odebrecht a construção de uma refinaria no estado de Hidalgo.

A procuradoria mexicana opera sob forte influência política e o governo Peña Nieto travou a investigação. Antecessores de Gertz Manero firmaram um acordo com o Ministério Público Federal brasileiro e dois deles anunciaram que levariam “em breve” o caso à justiça. Nunca o fizeram.

De volta a 2019, AMLO se elegeu e começou a governar com o mote de “acabar com o pacto de corruptos”. Por enquanto, deu muito certo. Ele se tornou presidente, fez maioria no Congresso e viu sua popularidade ir de 60% a 80% em quatro meses de governo.

Até agora, sua luta contra a corrupção se resumiu a medidas caricatas, como ele próprio viajar de avião em classe econômica, e ao contrassenso de reduzir salários do funcionalismo público. Permitir que se investigue para valer a classe política e o setor privado seriam outros quinhentos —os quais provavelmente fariam parte do PRI e outros grupos poderosos declararem guerra ao governo.

Mais ainda, o avanço do inquérito faria o México entrar em um período de alta instabilidade política, vide Brasil e Peru. Essa volatilidade ameaçaria a real agenda de AMLO, centrada em programas de assistência social, segurança, educação e política energética.

A investigação mexicana é refém do cálculo político. E, por enquanto, ele ainda favorece a impunidade.

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