Rodrigo Zeidan

Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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Rodrigo Zeidan

Decisões de política econômica precisam de consistência temporal

Depois do desastre da extrema direita, chegou a hora de arrumar a casa

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Haddad parece ter incorporado a mais importante lição do excelente primeiro governo Lula: credibilidade importa, e muito. Sua luta é para zerar o déficit em 2024, em vez de em 2025, como propõem outros membros do governo.

Do ponto de vista financeiro, não importa muito se o déficit zera em 2024 ou 2025, mas em termos de recuperação pode significar muito.

O Brasil, assim como muitos outros países, está firmemente preso na armadilha da renda média, a situação na qual o crescimento tira os países da pobreza, mas sucessivos governos não conseguem criar um Estado desenvolvido. Parte da razão para o nosso subdesenvolvimento é inconsistência temporal.

Funciona mais ou menos assim: um governo anuncia alguma ação concreta, como um subsídio para uma empresa se instalar numa região. Após a empresa colocar dinheiro na empreitada, o governo "muda de ideia" e retira a benesse, pois a organização já estaria comprometida com o investimento. A falta de confiança em que, no futuro, o governo não vá descumprir acordos firmados hoje vai gerando, ao longo do tempo, redução de investimentos que seriam feitos se as regras fossem respeitadas.

Fernando Haddad e Simone Tebet em Brasília - Adriano Machado/Reuters

Outro exemplo vem de promessas de campanha. Uma vez eleito, o governante não tem mais incentivos para cumpri-las. Fala-se muito que falta projeto de país. Isso até pode ser verdade, mas falta muito mais consistência temporal. Entra governo, sai governo, e começamos quase tudo do zero.

A exceção é o tripé macroeconômico de Lula, que adaptou, mas não rejeitou, as reformas dos governos FHC. O importante não foi somente o conteúdo do tripé, mas muito mais a estabilidade institucional na primeira grande transição da nova fase democrática do país. Claro que só credibilidade não resolve: foram feitas outras reformas e o cenário econômico mundial ajudou.

No caso de um arcabouço fiscal, inconsistência temporal é prometer mundos e fundos para aprová-lo e, quando chega a hora de pagar a conta, acha-se uma desculpa qualquer para postergar o ajuste. Isso não acontece só em países em desenvolvimento.

O tratado fiscal que alicerçou a formação da União Europeia estabelecia que os países só poderiam ter déficits de 3% e que a dívida pública não poderia passar de 60% do PIB. O primeiro país a descumprir as regras? A Alemanha, com a França em seguida.

Como essas duas potências europeias passaram por cima das regras sem serem punidas, os outros países se acharam no direito também. O resultado? Farra que acabou em ressaca depois da crise financeira de 2008. Se Haddad propôs um novo arcabouço, deve cumpri-lo. Claro que mais importante será se os sucessivos governos também o fizerem.

Países como a Dinamarca ficaram ricos em parte porque criaram regras e as cumprem, ajustando ao longo do tempo o que é necessário, sem reinventar a roda. Resultado? A economia dinamarquesa cresce 2% ao ano, entra ano e sai ano.

Ninguém espera resultados de reformas imediatamente. O tal processo de nação lá pode até existir, mas real mesmo é o fato de que as decisões de política econômica são consistentes ao longo do tempo. Para ficar em um só exemplo, a idade da aposentadoria lá vai aumentar para 68 anos em 2030 e 69 anos em 2035. Em 2025, o governo vai decidir se vai haver mais mudanças em 2040.

Estabilidade institucional e consistência temporal. Depois do desastre da extrema direita no poder, é hora de arrumar a casa. Boa sorte, Fernando Haddad. Você vai precisar.

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