Ronaldo Lemos

Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

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Descrição de chapéu Folhajus

Estratégia de IA brasileira é patética

Se fosse apresentado como um trabalho de faculdade, o documento seria reprovado

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Há anos que o Brasil precisa de um plano nacional de inteligência artificial. Essa tecnologia representa uma oportunidade de desenvolvimento e uma ameaça a países de renda média como o nosso, que não têm conseguido sequer preservar seu parque industrial instalado.

Na semana passada, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) finalmente publicou a aguardada Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia). O documento é apresentado de forma ambiciosa. Logo no início diz pomposamente que “esta estratégia assume o papel de nortear as ações do Estado brasileiro” relacionadas à questão da IA.

Se o Brasil depender desse documento para estruturar sua resposta aos desafios trazidos por essa tecnologia, nosso futuro será tenebroso. O documento publicado tem o nível de um trabalho de graduação universitária malfeito. Com uma diferença: custou recursos aos cofres públicos e tem apenas 52 páginas. Trabalhos de faculdade costumam ser maiores que isso.

É difícil listar todos os problemas do documento. O primeiro deles é não ter nenhuma meta, orçamento, organização ou planejamento de implementação. O documento é uma reunião de platitudes e citações de dados buscados na internet.

Mais do que isso, trata inteligência artificial como se fosse uma coisa só. Ignora a complexidade de disciplinas totalmente distintas —como aprendizado de máquina, processamento de linguagem natural, visão computacional e outras— que demandam ações também distintas e específicas.

Para escrever esse triste documento, o MCTI realizou uma consulta pública entre dezembro de 2019 e março de 2020. Houve mais de mil contribuições, muitas delas substanciais. Quem contribuiu perdeu seu tempo. O documento nem sequer se deu ao trabalho de considerar ou tabular as contribuições.

Mais do que isso, o trabalho tem gráficos risíveis. Além disso, há um capítulo que fala do uso de IA no setor público, tema essencial para o país. Mesmo essa parte é vergonhosa. Ignora os usos de IA por parte do Poder Judiciário e as iniciativas do Conselho Nacional de Justiça. Cita apenas casos esparsos, mesmo com o tema já bem documentado no país.

Quando comparado com outras estratégias nacionais de IA, a frustração só aumenta.

O plano do Japão tem todo um detalhamento de política industrial relacionado a IA. O da Índia, um projeto claro de uso de IA como revolução no agronegócio. O do Uruguai, um logo caminho de digitalização do poder público.

Já o plano brasileiro tem recomendações como “estimular parcerias com corporações” ou “fomentar a exportação de sistemas de IA brasileiros”. Que corporações? Que sistemas?

O único momento em que a estratégia acerta é na descrição da miséria do país no que tange a inovação.

Ao recortar e colar dados da internet, o documento reproduziu com tintas oficiais que nosso país ocupa a 101ª posição global em habilidades técnicas e a 96ª posição em capacidade de atrair talentos. Na América Latina, o país fica “atrás de países como “Trindade (sic) e Tobago, Jamaica, Panamá e Peru”, nas palavras do próprio relatório.

Se fosse apresentado como um trabalho de faculdade, a Estratégia Brasileira de IA seria reprovada. Como política de Estado, ela é um desastre. Mostra que o país está à deriva. Se essa é a contribuição do MCTI para o tema, estamos lascados.

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