Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

A coruja de Ipanema

Todos os dias, mesmo toco, mesma praia, mesmo céu

Coruja passando uma temporada na praia de Ipanema, no Rio
Coruja passando uma temporada na praia de Ipanema, no Rio - Heloisa Seixas/Folhapress

Há um mês que a vemos, todas as manhãs, empoleirada num toco fincado na areia, em Ipanema. Quando passamos por ela no calçadão, a menos de três metros, gira o pescoço a 200 graus e arregala os olhos. Podem ser olhos de sono, porque estão sempre circulados por duas ou três voltas de olheiras. É uma pequena coruja marrom. O que está fazendo ali, não sabemos. Sua presença naquele cenário é tão improvável quanto seria a de uma gaivota num galinheiro.  

Não entendo de corujas, mas sempre pensei nelas como bichos reclusos, avessos ao sol, vivendo entre folhas de árvores altas e dando expediente noturno. Pois, de repente, sai-me um exemplar a poucos palmos do chão, exposto ao céu mais azul que o inverno carioca pode produzir. E, pelo visto, gostando —ou não estaria ali, dia após dia, mesmo toco, mesma praia, mesmo céu. 

Isso não lhe tornava o cenário menos inóspito e comecei a me perguntar. De onde teria vindo e como voltaria para casa? Como conseguia dormir, com o barulho do trânsito dia e noite aos seus ouvidos? De que se alimentava? E, indefesa como parecia, estaria a salvo de predadores, inclusive do mais cruel, o homem? Para me instruir sobre corujas, recorri à enciclopédia móvel com a qual convivo diariamente: os taxistas do Rio. Com eles já aprendi sobre marés, ventos, fases da Lua e até as intimidades de Arubinha, personagem de uma famosa crônica de Mario Filho. 

No terceiro taxista inquirido, fiquei sabendo que nossa coruja não era assim tão indefesa. Com a envergadura de suas asas, poderia voltar quando quisesse para o vizinho Cantagalo, morro de onde devia ter saído. Que, se ainda estava por ali, é porque talvez fosse onde botaria seus... ovos. E, finalmente, que as corujas se alimentam de roedores, morcegos e insetos, bichinhos abundantes à noite na praia.

Pronto. Fiquei tranquilo. É só mais uma para o folclore —a coruja de Ipanema.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.