Alvaro Moreyra, maravilhoso escritor brasileiro, disse nos anos 50: “Tenho um filho que é Botafogo, outro, que é Fluminense, e ainda outro, que é Flamengo. Como um pai assim pode saber a verdade?”. Alvaro tratou os clubes como se fossem repositórios de um conjunto de certezas, como as religiões, e só um deles pudesse conter a verdade. Mas se, nas religiões, que se dizem detentoras da verdade, isso já é difícil, imagine no futebol. Era uma brincadeira, claro, porque ninguém mais relativo do que Alvaro Moreyra e disposto a examinar os vários lados das ditas certezas.
Mas, agora, com o VAR, o futebol se julga capaz disso —de estabelecer a verdade, o juízo final. Desde que passou a ser usado, gols, bolas em cima da linha, mãos na bola, impedimentos, faltas dentro ou fora da área, possíveis cotoveladas e até comentários desairosos sobre a mãe do juiz, ditos pelas suas costas, mas passíveis de leitura labial, tudo passou à jurisdição do VAR. É a busca do absoluto, da certeza
—da verdade.
Mario Vianna, o primeiro comentarista de arbitragem do rádio, inventou a expressão “espectador privilegiado” para definir o juiz omisso em campo. Pois o VAR fez de todos os árbitros espectadores privilegiados. Eles não têm mais autoridade. Suas decisões já nascem sub judice e podem ser revistas. Por que não eliminá-los de uma vez e substituí-los por um apito eletrônico? Quanto aos bandeirinhas, segundo Arnaldo Cesar Coelho, os gandulas podiam tomar o seu lugar.
Todos odeiam o VAR, e com razão. Ele atrasa as partidas, só enxerga os pênaltis quando são contra o nosso time e leva os locutores à loucura sem saber se narram o gol. Tudo bem. Mas minha queixa é quanto a essa busca neurótica da verdade. O futebol não foi feito para conviver com ela. Não é ciência, é erro —o humano e os outros.
Ah, sim, Alvaro Moreyra. Ele escolheu a sua verdade. Era Flamengo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.