Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

Dois continentes musicais

Os artistas da antiga gravavam o novo rock; os grupos que surgiam gravavam os clássicos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Um dos poucos consolos da quarentena é que ela nos devolve o tempo que já não tínhamos para ouvir música. E, no que se bota um disco para tocar, outros parecem se materializar magicamente, como se nos ditassem a playlist. Passei por isso outro dia ao escutar "Yesterday", de Lennon e McCartney, pelo supercantor Bill Henderson, acompanhado pela orquestra de Count Basie. O que era só uma bonita balada, meio enjoativa, tornou-se uma avalanche sonora, gravada em maio de 1966 —poucos meses depois da própria gravação dos Beatles.

Isso me levou ao disco inteiro, "Basie's Beatles Bag", em que o arranjador Chico O'Farrill promoveu o universo pós-acne, mas ainda pré-"Revolver" e "Sgt. Pepper's" dos Beatles, a uma inesperada maioridade. Por aquela época, Ella Fitzgerald estava gravando "Can't Buy Me Love". Mark Murphy, "She Loves You". Ray Charles, "Michelle". Lena Horne, "In My Life". E Frank Sinatra, Sarah Vaughan, Tony Bennett e todo mundo, "Something", de George Harrison. Para ficarmos só no catálogo dos Fab Four.

A música se dividira em dois continentes, mas eles ainda se comunicavam. Wes Montgomery gravou um estupendo "California Dreamin'", dos Mamas and Papas. Gary McFarland, "Satisfaction", dos Rolling Stones. Woody Herman, "Light my Fire", do The Doors. Paul Desmond, sax-alto de Dave Brubeck, "Ob-La-Di, Ob-La-Da". Benny Goodman, "Rocky Racoon"!

Não era uma adesão dos clássicos ao pop-rock, mas todo um vibrante repertório que surgia, cheio de possibilidades. E havia um diálogo. Em seus começos, os Stones já tinham gravado "Route 66", de 1946, e os Beatles, "Ain't She Sweet", de 1927, e nada menos que "When the Saints Go Marching In", de, pode crer, 1896.

Mas, cerca de 1970, algo aconteceu à música, à beleza, à sensibilidade. Deixaram-se de produzir canções. Os dois continentes se separaram e nós —que jeito?— tivemos de voltar para o Cole Porter.

    Compactos e EPs de sucessos do jazz, pop e rock dos anos 60 --- Heloisa Seixas
Compactos e EPs de sucessos do jazz, pop e rock dos anos 60 - Heloisa Seixas

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.