Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

Curvando o lápis aos heróis

O caricaturista Otelo submeteu-se respeitosamente à conquista da Copa do Mundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Recebo por email amostras de um álbum de desenhos que um amigo arrematou num leilão: uma série de pequenos retratos a lápis de jogadores da seleção brasileira de 1958, campeã mundial na Suécia. Seu autor, um então famoso profissional: o caricaturista carioca Otelo Caçador (1926-2006). Embora os desenhos já estejam muito apagados, ainda é possível reconhecer Nilton Santos, a “enciclopédia”; Bellini, o “grande capitão”; Zagallo, a “formiguinha”; Zito, o motor do time; Dida, que perdeu a posição para Pelé; Garrincha, claro; e outros.

Otelo fazia uma seção de humor sobre futebol no Globo, intitulada “Penalty”. Saía às segundas-feiras, ocupava uma página inteira em cores do caderno de esportes e era toda desenhada e escrita por ele. Nela Otelo lançou expressões, como o “placar moral”, para “corrigir” o resultado dos jogos, e foi o primeiro a chamar a camisa de um clube —a do Flamengo, pelo qual torcia— de “manto sagrado”. Com 33 anos de publicação, dos anos 1950 aos 1980, “Penalty” pode ter sido a seção mais longeva da imprensa esportiva brasileira.

Como todo caricaturista, Otelo vivia da deformação dos traços. Bocas, narizes e orelhas surgiam exagerados, lances de jogo eram mostrados de maneira escrachada e nem sempre os caricaturados achavam graça —Brito, zagueiro campeão do mundo em 1970, ameaçou dar em Otelo.

Daí o ineditismo desses desenhos que recebi. Foram feitos com surpreendente delicadeza. Neles, em vez dos contornos definidos e enfáticos das caricaturas do jornal, o grafite mal parece ter ferido o papel. Se já é um milagre que, feitos há 63 anos, tenham chegado fisicamente até nós, não sei por quanto tempo continuarão visíveis.

E são retratos, não caricaturas. É como se, diante do tamanho da conquista na Suécia —nunca o Brasil vibrou tanto com a conquista de uma Copa—, Otelo se submetesse e curvasse respeitosamente o seu lápis aos heróis.

Do alto e da esq. para a dir., Nilton Santos, Zagallo, Dida, Zito, Bellini e Garrincha no traço de Otelo Caçador
Do alto e da esq. para a dir., Nilton Santos, Zagallo, Dida, Zito, Bellini e Garrincha no traço de Otelo Caçador - Heloisa Seixas

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.