Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

De luto contra Bolsonaro

E se, num dia marcado, as pessoas apenas saírem às ruas ---qualquer rua--- vestidas de preto?

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No dia 16 de agosto de 1992, um domingo, o Brasil saiu de preto às ruas para mostrar que tinha vergonha na cara. Dias antes, o presidente Fernando Collor, já carimbado por denúncias de corrupção, conclamara o “povo” a desfilar de verde-amarelo para defendê-lo. E por que não? Afinal, fora eleito com 35 milhões de votos, uma enormidade, e ainda se achava capaz de levar o país no grito. Em troca, o povo silenciou-o com suas roupas e bandeiras pretas em todas as cidades. Menos de dois meses depois, Collor deixou de existir.

Jair Bolsonaro é 505 mil vezes pior do que Collor. A palavra genocida, que só em casos excepcionais saía dos dicionários contra alguém, tornou-se seu sinônimo. E de uso tão corriqueiro que se arrisca a ficar insuficiente para definir o homem que, não só deixou que centenas de milhares morressem da Covid, como, sabe-se agora, desejou essas mortes —e debocha de quem as chora.

O irônico é que Bolsonaro, que sempre quis o Brasil exposto ao vírus, beneficia-se do fato de as pessoas mais conscientes, por temerem as aglomerações, não saírem às ruas contra ele. Mas isso está mudando. A repulsa começa a lhes dar coragem, como as duas recentes manifestações mostraram. É verdade que, por enquanto, estas ainda estão longe de refletir a realidade —sei de muitas pessoas que não foram a elas por serem distantes de suas casas.

Uma coisa é ter de atravessar, a pé ou de condução, os muitos bairros que levam a uma manifestação. Mas, e se todos apenas saírem de preto num dia marcado, como em 1992, para caminhar pelos seus próprios quarteirões, de máscara e a uma distância segura, entre os amigos e conhecidos? Famílias inteiras poderão fazer isso. Um Brasil de luto dirá melhor o que é viver sob Bolsonaro.

Mesmo porque o luto —o nosso ou o de alguém que amamos— já está hoje em cada rua, prédio ou apartamento, implorando para gritar.

Capa da Folha de 17 de agosto de 1992, que relatou que brasileiros vestiram roupas escuras em resposta ao pedido de Fernando Collor para se vestisse verde e amarelo
Capa da Folha de 17 de agosto de 1992, que relatou que brasileiros vestiram roupas escuras em resposta ao pedido de Fernando Collor para se vestisse verde e amarelo - Folhapress

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