Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ruy Castro

O sofisticado antissofisticação

Dave Frishberg nunca esteve nas paradas, nem precisava. Sua música estava na voz dos melhores

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Uma borboleta batendo asas no Brasil pode provocar um tufão no Texas". Esse conhecido conceito foi formulado nos anos 70 pelo meteorologista americano Edward Lorenz. Sendo assim, declaro que a morte de um músico em Portland, Oregon, não provocará nem um pé de vento no Brasil, ou mesmo uma corrente de ar. Mas arrancará um suspiro dos poucos e felizes que conheceram a arte desse músico. No caso, Dave Frishberg, pianista de jazz, cantor, compositor e letrista, que morreu na dita Portland, no dia 17 último, aos 88 anos.

Ele não era famoso. Suas principais canções, "Peel me a Grape", de 1962, e "I’m Hip", de 1971, esta em parceria com Bob Dorough, nunca viram as paradas —mas foram para o repertório de Irene Kral, Carmen McRae, Anita O’Day, Rosemary Clooney, Mel Tormé, Michael Feinstein, John Pizzarelli, Stacey Kent, Diana Krall e, mais que todos, Blossom Dearie. São o epítome da música adulta, sagaz, urbana, mordaz, típica das noites de piano, uísque e gente elegante. Talvez ainda se escrevam canções como essas. O problema está em saber onde são tocadas e para quem.

Frishberg não impunha seu material —80% de seu repertório como cantor eram de Irving Berlin, Johnny Mercer, Frank Loesser. Poucos diziam tão bem as letras desses gigantes, mas, às vezes, ele ia em busca apenas de seus segredos instrumentais. Seu piano, cheio de surpresas, era um coquetel de Jelly Roll Morton, Duke Ellington, Erroll Garner e dele mesmo.

Nos anos 70, "I’m Hip" foi questão nas palavras cruzadas do The New York Times e, nos 80, Frishberg foi perfilado por Whitney Balliett na The New Yorker. Pelos padrões de Nova York, impossível superar isso em sofisticação. O próprio NYT, em seu longo obituário de Frishberg, escreveu que o simples fato de ter ouvido falar dele já era "prova de sofisticação" de uma pessoa.

A mesma "sofisticação" que Dave achava cafona e levou ao sublime ridículo em "I’m Hip".

LP de Blossom Dearie, CDs de Dave Frishberg e livro com as letras de 'I’m Hip' e 'Peel me a Grape'
LP de Blossom Dearie, CDs de Dave Frishberg e livro com as letras de 'I’m Hip' e 'Peel me a Grape' - Heloisa Seixas

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.