Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

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Ruy Castro

Quem cochicha, o rabo espicha

Bolsonaro vivia falando com a boca escondida para evitar a leitura labial

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Uma das sequências centrais de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968), de Stanley Kubrick, é quando os dois astronautas, vividos por Keir Dullea e Gary Lockwood, a bordo da Discovery para uma expedição a Júpiter, desconfiam de que HAL-9000, o infalível megacomputador que controla a nave e com quem eles se comunicam verbalmente, parece ter cometido um erro —ou estar enlouquecendo. Mas HAL é onisciente e, vendo-se em perigo, espiona os astronautas. Então, para discutir o problema sem que HAL perceba, Dullea e Lockwood trancam-se num módulo e desligam todas as fontes de áudio. Mas o olho incandescente de HAL, também onipresente, pode vê-los e ler seus movimentos labiais. Isso define o destino dos heróis.

Em 1968 —ou em 2001, quando se passa o filme—, as pessoas não se falavam tapando a boca com a mão em forma de concha. Era uma tremenda falta de bom tom, respeito, educação. Se alguém tivesse de cochichar alguma coisa para alguém, que o chamasse em particular e fossem para um aposento vazio. Havia até um ditado, "Quem cochicha, o rabo espicha", usado pelos adultos para coibir as crianças que falavam no ouvido uma das outras, e ainda mais se dessem risotas.

Não mais. Hoje, a mão na boca para esconder o que se fala é prática generalizada, vista como a coisa mais natural do mundo. É usada à beira do campo pelos técnicos de futebol, quando dão suas instruções a um jogador que vai entrar para substituir alguém. Temem que o treinador ou jogadores adversários, a 30 metros de distância, leiam os seus lábios e descubram as mudanças táticas que estão tramando.

Bolsonaro era outro que não tinha meio termo: ou zurrava no cercadinho para seus seguidores ou escondia a boca para as câmeras ao falar com seus cúmplices.

Ainda não se sabe o que ele dizia e que não podia ser escutado. Mas pode-se garantir que não levaremos 100 anos para descobrir.

O computador HAL-9000 (no centro da escotilha) lê os lábios de Gary Lockwood (esq.) e Keir Dullea em ‘2001: Uma Odisséia no Espaço’ --- Heloisa Seixas
O computador HAL-9000 (no centro da escotilha) lê os lábios de Gary Lockwood (esq.) e Keir Dullea em '2001: Uma Odisseia no Espaço' - Heloisa Seixas

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