Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Escassez, a norma brasileira

Não se pode minimizar o impacto de programas sociais sobre o Orçamento

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Há três semanas que me envolvi no tema da renda básica de cidadania. Se conseguirmos financiar, acho um ótimo programa. Minha grande preocupação é o populismo. Não podemos minimizar o
custo das políticas públicas.

É comum argumentar que o custo de uma política pública é menor pois ela gerará crescimento e, em razão da maior expansão do PIB, haverá elevação da receita de impostos.

Para que esse fato seja verdadeiro, a economia tem que operar com ociosidade. O governo aumenta as transferências de recursos às famílias, e o déficit público aumenta. As famílias gastarão os recursos e aumentarão a demanda. Novos bens serão produzidos para atender a demanda e, consequentemente, a produção e a receita de impostos se elevam.

Mas e se tivermos uma economia que, na média, opera a pleno emprego? Nesse caso, os novos recursos gerarão demanda, que estimulará a oferta. No entanto, dada a situação de pleno emprego, o excesso de demanda se transforma em inflação. A elevação da inflação exige a subida da taxa de juros pelo BC, para combater a aceleração dos preços.

O ganho fiscal não ocorre, pois a oferta não subiu. Na verdade, a pressão inflacionária aumenta o custo fiscal, pela elevação do custo de rolagem da dívida pública.

Na semana passada, argumentei que a economia brasileira opera, na média, com excesso de demanda. Chamei essa situação de pressão estrutural de demanda.

Meu colega Bráulio Borges, do Ibre-FGV, estimou que, no período de 2004 a 2014, a nossa economia operou permanentemente com excesso de demanda sobre a oferta.

Apesar dos juros elevados, houve ao longo de todos esses anos situação de pleno emprego. A inflação somente não se acelerou constantemente porque saímos de uma situação externa muito favorável.

Em 2003, havia um superávit externo de 2% do PIB. Absorvemos 2% do PIB a menos do que produzimos.
Em 2014, o déficit externo foi de 4% do PIB. Ou seja, ao longo dos 11 anos de 2004 a 2014, passamos a exportar seis pontos percentuais (pp) do PIB a menos de poupança (ou, por outra forma, fomos de exportação de 2 pp do PIB para importação de 4 pp). Se a conta for feita a preços constantes, a virada foi de 7 pp.

Foi a contribuição da oferta externa em 7 pp do PIB de bens e serviços que permitiu que convivêssemos mais de uma década com excesso de demanda sem grandes acelerações da inflação.

Sendo rigoroso, no período final a inflação se acelerou —no primeiro mandato da presidente Dilma, a inflação rodou a 5,5% ao ano, e, em 2014, foi de 6,5%. E tudo isso com forte controle dos preços.

É fato que desde 2015 operamos abaixo do pleno emprego. Inicialmente tivemos a grande crise de 2014-2016.

E, em seguida, houve lenta recuperação, e agora a crise provocada pela pandemia.

Há, portanto, grande espaço para afrouxamento monetário. Espaço esse quem tem sido, corretamente, a meu ver, explorado pelo Banco Central. Tudo sugere que teremos outro corte de 0,75 pp da Selic na próxima reunião do Copom.

Mas em algum momento à frente a atividade econômica voltará. E, quando voltar, estaremos em situação próxima de dominância fiscal: dívida pública a 100% do PIB com prazo médio de vencimento bem baixo. Teremos que cuidar do fiscal.

Melhoras em programas sociais são sempre bem-vindas. Mas não se pode minimizar o impacto desses programas sobre o Orçamento. Do ponto de vista do bem-estar dos mais vulneráveis, a desorganização macroeconômica é o pior dos males. ​

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