Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Artigo que caiu da PEC diz muito sobre nós

No Brasil, a escolha entre o futuro e o passado está totalmente desequilibrada

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Em entrevista a Érica Fraga, publicada na Folha no domingo passado (28), Ricardo Paes de Barros afirmou: "Em toda sociedade, os adultos, até os 65, 70 anos, quase certamente, consomem menos do que a sua renda porque subsidiam o consumo das crianças e dos idosos. No Brasil, não é diferente".

"O que é diferente aqui é o quanto desse subsídio vai para os idosos e para as crianças. Para cada idoso, a gente dá seis vezes mais do que para uma criança."

"Você pode dizer: 'Ah, mas criança é baratinho, idoso é caro'. Então, isso deveria ser verdade no Japão, no Uruguai, em toda parte. No Brasil, essa razão é totalmente desproporcional em relação ao resto do mundo.

Isso faz com que a pobreza entre as crianças —considerando a renda per capita, mesmo depois que os adultos compartilham sua renda com elas— seja quase duas vezes a média nacional, enquanto a pobreza entre os idosos é inferior a um terço da média nacional."

Eu adiciono que esse fato não se deve ao fato de o Estado brasileiro ser mínimo. Na América Latina, o Brasil tem a maior carga tributária, o maior gasto primário, o maior gasto social e a maior dívida pública.

O Senado aprovou na semana passada a PEC que permitiu nova rodada do auxílio emergencial. Aprovou também algumas medidas que auxiliam na construção de uma situação fiscal saudável.

Uma das medidas que estavam na PEC e foi retirada do texto final foi o parágrafo único ao 6º artigo da Constituição. O artigo estabelece que: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

O parágrafo adicionado (e retirado do texto final) afirmava que "deve ser observado, na promoção e na efetivação dos direitos sociais, o equilíbrio fiscal intergeracional".

O parágrafo não tinha nenhuma implicação imediata. Somente tentava equilibrar a escolha entre o futuro e o passado, que no Brasil, como ilustrado pela entrevista de Paes de Barros, está totalmente desequilibrada.

O mesmo padrão ocorre quando escolhemos com tanta facilidade fechar escolas. A segurança dos professores e demais funcionários precisa ser resguardada. Mas o aprendizado das crianças também, que é o nosso futuro.

Nosso processo de escolha social tem priorizado muito o presente e o passado em detrimento do futuro.
Em parte, seria esperado. Somos uma sociedade muito desigual. Há resultado importante da economia política que estabelece que sociedades democráticas e desiguais têm menor crescimento.

O motivo é que o cidadão que decide a eleição, aquele em relação ao qual metade da população é mais rica e a outra metade é mais pobre —em jargão, trata-se do eleitor mediano—, é relativamente pobre. Ele é pobre em razão da elevada desigualdade.

O eleitor mediano vota por aumento de carga tributária para financiar maiores transferências. A maior carga tributária desestimula o investimento privado, e a maior demanda por transferência retira recursos do investimento público. É o que chamei no longínquo 2006 de contrato social da redemocratização.

A agenda da sociedade é equidade, e não o crescimento. Escolha mais do que legítima.

Mas não segue do contrato social da redemocratização que a pobreza deva ser maior nas crianças. Talvez seja devido ao fato de crianças e novas gerações não votarem. E aí entendemos a importância do parágrafo retirado.

Foi uma pena.

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