Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa
Descrição de chapéu Argentina América Latina

Milei pode acertar

Aproximação dos técnicos do grupo de Macri indica que ele buscará uma política econômica racional

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Se fosse argentino, teria votado no candidato peronista Sergio Massa para presidente. Néstor Kirchner pegou em 2003 uma economia arrumada de seu antecessor, também peronista, Eduardo Duhalde. A situação era dramática, após perda de 18% do PIB entre 1999 e 2002, mas estavam dadas as condições para um grande ciclo de crescimento.

Havia superávit das contas públicas, as contas externas estavam arrumadas e havia muita melhora microeconômica para ser colhida. O presidente peronista de direita, Carlos Menem, que errou feio na macroeconomia, tinha modernizado muito as instituições do país. Os Kirchners colheram o que Menem plantou.

A irresponsabilidade fiscal compulsiva dos Kirchners, que contaminou também a Presidência de Alberto Fernández, colocou a Argentina na rota da hiperinflação.

O interregno não peronista de Mauricio Macri —de 2003 até 2023 foram 16 anos de governos peronistas e 4 com Macri— não ajudou. Houve o erro de acreditar que as reformas microeconômicas e a arrumação macroeconômica básica permitiriam ganhos de eficiência que resolveriam os problemas fiscais com o crescimento. Macri cometeu o mesmo erro de FHC 1 e não teve uma segunda chance para arrumar, como teve FHC.

Dura lição: problema fiscal se resolve reduzindo gasto e elevando receita. Adicionalmente, Macri estragou a única coisa que os Kirchners não tinham destruído: reconstruiu a fragilidade externa do país, contraindo dívida denominada em moeda estrangeira.

Minha aposta de que a melhor opção era Sergio Massa, não o folclórico Javier Milei, deve-se à importância de que o grupo peronista aprenda. Talvez, se Massa tivesse de administrar a hiperinflação por eles mesmos construída, o peronismo aprenderia que há restrição de recursos em uma economia.

Mas os argentinos discordaram de mim. Por ampla maioria, escolheram Milei. Há dois traços da campanha eleitoral de Milei que me parece passaram despercebidos. Por detrás de todo o anedotário que envolve a figura do novo presidente, o conteúdo de sua campanha foi incrivelmente racional. Milei parece o bobo da corte, a figura cínica cuja função é avisar o mandatário, de forma bem-humorada, das obviedades da vida que a corte não deseja reconhecer.

É absolutamente revolucionário, na Argentina e na América Latina de maneira geral, que o canto básico de uma candidatura à Presidência seja a relação entre déficit público, emissão monetária e inflação. Vale a pena ver o vídeo que circula no YouTube.

O segundo aspecto é que o eleitorado de Milei é jovem. Havia na campanha um frescor e um bom humor típico dos jovens. E, nesse aspecto, parece que Milei é um fenômeno social distinto do bolsonarismo e seus tiozões com saudade da ditadura militar.

A eleição de Milei encerra um profundo conflito distributivo entre jovens e velhos. Os velhos ainda pegaram um país minimamente funcional. Com anos trabalhando no setor formal, acumularam os benefícios do Estado de bem-estar argentino. Tudo muito precário, mas muito melhor do que os jovens que estão simplesmente marginalizados. As portas da economia formal se fecharam para eles há muito tempo.

Também é perfeitamente compreensível o apelo eleitoral da proposta esdrúxula da dolarização. Os ricos argentinos há décadas poupam em dólares. A dolarização somente estende aos pobres um direito que os ricos já têm.

Há dois fatores que sinalizam que Milei pode acertar. Primeiro, não haver estelionato eleitoral. Ele avisou que iria promover um duro ajuste fiscal e tem delegação para tal. Segundo, a sua aproximação dos técnicos do grupo político de Macri indica que ele buscará uma política econômica racional. E a boa notícia é que, entre esses técnicos, houve aprendizado. Da mesma forma que o Plano Real somente ocorreu após os erros do Cruzado e do Plano Collor, os erros de condução de política econômica de Macri podem pavimentar o caminho para um possível acerto de Milei.

Para nós, resta, independentemente do grupo político que governa nosso vizinho ao sul, uma sólida democracia, torcer pelo melhor e que eles reencontrem o caminho do desenvolvimento econômico perdido há um século atrás.

Na coluna da semana passada, apresentei trabalho recente aceito para publicação em uma das cinco melhores revistas do mundo em economia, que contesta as evidências de Piketty, Saez e Zucman de que houve nos últimos 60 anos forte concentração de renda nos 1% mais ricos nos EUA. Piketty, Saez e Zucman postaram uma resposta. Ótimo debate.

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