Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Nova surpresa sobre a desigualdade americana

Estudo aponta que concentração de renda no 1% mais rico não subiu desde os anos 1960

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Um recente trabalho aceito para publicação no Journal of Political Economy, uma das cinco melhores revistas acadêmicas do mundo, documenta que não houve aumento da concentração de renda nos EUA no 1% mais rico desde o início dos anos 1960 até hoje.

O famoso economista francês Thomas Piketty e colaboradores, diferentemente, têm documentado grande aumento da concentração de renda no 1% mais rico nos últimos 60 anos.

Piketty promoveu duas pequenas revoluções metodológicas no estudo da desigualdade de renda, além de ter construído base de dados para um grande número de países.

O economista francês Thomas Piketty - Joel Saget - 10.set.19/AFP

A primeira mudança metodológica foi convencer os pesquisadores de que, para estudar a desigualdade no topo da distribuição de renda, é necessário olhar indicadores além dos tradicionais índices de Gini ou de Theil. Temos que acompanhar a parcela apropriada pelos 10%, 1% e até 0,1% mais ricos.

A segunda mudança metodológica foi documentar que, para estudar a concentração no topo da distribuição de renda, é necessário trabalharmos com dados da Receita Federal. As pesquisas domiciliares são insuficientes, pois os ricos estão sub-representados e subestimam a renda.

Essas inovações metodológicas importantes estão incorporadas no trabalho mais recente que reverte o resultado básico de Piketty.

Os autores, Gerald Auten e David Splinter, respectivamente servidor de carreira da Receita americana e funcionário do equivalente à Comissão Mista do Orçamento do Congresso americano, têm um conhecimento muito mais detalhado de como partir da renda bruta dos impostos e líquida dos benefícios e transferências para a renda líquida dos impostos e bruta dos benefícios e transferências.

Dois ajustes são particularmente importantes. Primeiro, ao longo do tempo, a quantidade de divórcios aumentou, e de forma muito mais concentrada entre os mais pobres. Segundo, a forma de tratamento da renda dos fundos de pensão é diferente.

As escolhas metodológicas de Auten e Splinter se ajustam melhor ao conceito de renda associada ao bem-estar das pessoas.

O resultado de Piketty, Saez e Zucman (PSZ) era que o 1% mais rico se apropriava de 12,6% da renda total bruta de tributos e líquida das transferências em 1962 e de 20% em 2014. Segundo Auten e Splinter (AS), os números são, respectivamente, 11% e 14%. Por outro lado, a renda líquida dos tributos e bruta das transferências era, segundo PSZ, de 10% em 1962 e 15,7% em 2014.

Para AS, temos 8,6% e 9,1%. Ou seja, segundo AS, a concentração de renda nos 1% mais ricos elevou-se somente em 0,5 ponto percentual, enquanto PSZ encontram, para o mesmo conceito de receita, um aumento de 5,7 pontos. Sem considerar o efeito do Estado, a concentração elevou-se, segundo AS, em 3,1 pontos.

Há dois achados adicionais. Em que pese a queda das alíquotas dos impostos de renda para os ricos que houve nos anos 1980, a progressividade dos tributos aumentou. A redução das isenções e deduções que foram feitas mais do que compensou a queda da alíquota para as rendas elevadas.

Segundo, a renda real dos 50% mais pobres não ficou estagnada desde os anos 1960, como se acreditava. A renda líquida dos impostos e bruta dos benefícios e transferências cresceu 135%. Mas é verdade que o ganho de renda dado pelo contracheque do trabalhador foi bem menor. Ou seja, o Estado foi fundamental para garantir o crescimento da renda dos 50% mais pobres.

De fato, os autores mostram que o setor público hoje eleva em 150% a renda dos 20% mais pobres e que em 1962 esse impacto era de 50%.

O resultado é surpreendente, mas em acordo com o resultado de outro trabalho reportado aqui em fevereiro de 2022. Neste, documentou-se que o Estado americano redistribui mais do que os Estados europeus.

Os problemas sociais imensos que a sociedade americana apresenta parecem não estar associados à baixa capacidade redistributiva do Estado. Temos que olhar para outro lugar.

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