Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.

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Samuel Pessôa

Receita interpreta legislação

Ativismo do fisco na interpretação de leis gera uma enorme insegurança jurídica

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A Receita Federal baixou a instrução normativa 2.205, de 22/7/24, com o seu entendimento da legislação aprovada em 2023 que restabeleceu o voto de qualidade no Conselho de Administração dos Recursos Fiscais. O Carf é um tribunal que julga pendências tributárias do setor privado com a União na esfera administrativa. Se o privado perde, pode recorrer ao Judiciário.

O Carf é um tribunal com mais de 180 conselheiros com turmas paritárias, isto é, que têm o mesmo número de conselheiros representantes dos contribuintes e do fisco.

Um homem com barba e cabelo curto está sentado em uma cadeira, com as mãos cruzadas sobre o colo. Ele usa um terno escuro e uma gravata azul. Ao fundo, há uma mesa de escritório e prateleiras com livros e documentos. Uma bandeira do Brasil está visível à esquerda.
O presidente do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) Carlos Higino, na sede do órgão em Brasília - Pedro Ladeira-7.mar.24/Folhapress/Folhapress

Até 2020, a Fazenda tinha o desempate. O privado, para acessar a Justiça, tinha que deixar em juízo um depósito ou um seguro-garantia para cobrir a totalidade da possível dívida (principal, multa, juros e encargos legais).

Em 2020, o voto de qualidade deixou de existir para casos em que a disputa envolvia o não pagamento de um tributo. E, para esses casos, o empate era pró-réu, e a União não podia acessar o Judiciário. A construção ficou desequilibrada contra a Receita.

A lei do ano passado, fruto de uma construção no Congresso do setor privado com o Executivo, encontrou o equilíbrio: o voto de qualidade volta para a Fazenda, mas, em caso de empate, o contribuinte tem duas opções: pagar o principal, sem juros e multa, em até 90 dias após o julgamento; e recorrer ao Judiciário para discutir os juros e o principal sem a multa.

A instrução normativa da Receita Federal altera o entendimento da legislação. Afirma que o afastamento da multa e a presunção de inocência só valem para pendências, entre uma empresa e a Receita, que discutam tributos não pagos. Para as outras pendências —multa de aduanas, créditos que o contribuinte alega possuir, multa por não cumprimento de obrigação assessória, entre outras—, o setor privado somente pode acessar a esfera judicial incorrendo nas custas e não há o afastamento das multas.

A explicação da Receita Federal para restringir a legislação de 2023 é a seguinte: se a discussão for um tributo não pago que a empresa considera indevido e a Receita considera devido, há uma discussão, o imposto, e há uma multa. A legislação de 2023 afastaria a punição derivada. Segundo a Receita, se for, por exemplo, uma multa aduaneira, a multa é o próprio fato a ser discutido. Ela não deriva de nada.

No entanto, qualquer punição é sempre derivada de uma ação anterior. Por exemplo, uma multa fruto do não cumprimento pelo setor privado de uma obrigação acessória (ou alguma outra multa isolada) é derivada do entendimento do setor privado, do qual a Receita discorda, de que não deveria cumprir com aquela obrigação acessória. O mesmo se aplica à multa fruto do não pagamento de um imposto, pois a empresa apresentou um crédito tributário. A multa deriva de um crédito em disputa.

O ativismo da Receita na interpretação de leis feitas no Congresso após um longo processo de negociação entre diversas partes é muito ruim. Gera uma enorme insegurança jurídica. É necessário um maior comedimento da Receita Federal na normatização da legislação.

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