Tite estava preparado para falar da boa performance do Flamengo, superior ao Fluminense no clássico de domingo (25), vencido por 2 a 0. Mas a coletiva pós-jogo lhe pregou uma surpresa, aparentemente indesejada: uma pergunta sobre seu sentimento em relação à condenação de Daniel Alves por estupro, na Espanha.
Para dar o crédito, foi Igor Siqueira, jornalista do UOL, quem fez o questionamento —jornalistas isentos são espécimes cada vez mais raros em coletivas, invadidas por influencers, canais oficiais de clubes e os não oficiais lacradores e caça-cliques.
Tite começou assim sua resposta: "Entendo a pergunta. Não posso fazer julgamento não tendo todos os fatos e informações verdadeiras (...)", disse. "Posso falar conceitualmente. Todo erro deve ser punido, conceitualmente. Mas não sou julgador e não tenho todos os fatos", continuou.
De qual fato ou informação verdadeira exatamente o professor precisa? Acesso à câmera do banheiro em que o crime aconteceu?
Ok, nenhum atleta em atividade que já atuou com Daniel Alves vai se manifestar contra o lateral condenado. É o belo corporativismo no mundo da bola. Mais fácil alguém emprestar R$ 800 mil do que falar sobre o crime —algo que também aconteceu com o condenado Robinho.
No entanto, Tite poderia dar uma resposta menos escorregadia. Poderia se sair com algo como "a Justiça espanhola teve acesso às informações e condenou Daniel. Ele agora tem que cumprir a pena. Não tenho nada mais a acrescentar". Seria pelo menos uma admissão de que a Justiça foi feita, como de fato foi.
Porém, depois de ser evasivo, Tite fez pior, comparou o caso a uma suposta agressão sexual envolvendo Neymar, nos tempos em que ele comandava a seleção. A história de Neymar foi uma armação. Não há comparação possível entre os dois casos. Mas quando Tite coloca os dois no mesmo saco, é como se duvidasse da veracidade da condenação —pior, ele coloca sob suspeita o depoimento da vítima.
Falar apenas que "quem erra deve ser punido", conceitualmente, é pouco. Tite foi questionado pelo longo histórico com Daniel. Na época da convocação para a Copa de 2022, chegou a dizer que o lateral "transcende o futebol".
Tite talvez não saiba, mas ele é um influencer e ocupa a posição de principal técnico brasileiro dos últimos 12 anos. Com um microfone do tamanho da torcida do Flamengo, ele precisa saber que sua opinião importa e reverbera.
Na mesma entrevista, o treinador fez uma correção sobre outro assunto. Outro dia, comentou que o Campeonato Carioca era mais forte que o Paulista. Agora diz que não queria comparar o torneio, apenas o momento atual do top 4 de cada estado. Se com uma bobagem dessa ele precisou se explicar, talvez ele deva retornar ao tema da condenação de Daniel.
Curiosamente, um dia antes, o míster palmeirense Abel Ferreira deu aula de solidariedade. Sem ser questionado, abriu a entrevista se posicionando sobre o absurdo ataque ao ônibus dos jogadores do Fortaleza (perpetrado pela torcida do Sport). Nem o sindicato dos jogadores (se é que existe) foi tão direto quanto o professor português.
Está na hora de Tite transcender o futebol.
Um viva para o maior público do Paulistinha, que foi neste fim de semana, no Morumbi, quando o Santos levou mais de 50 mil pessoas para um jogo no domingo de manhã contra o São Bernardo… quem diria.
Os 19 da F1
A frase mais sincera da pré-temporada da F1, cuja largada acontece no próximo domingo, é de Fernando Alonso: "Acho que 19 pilotos do paddock já sabem que não serão campeões em 2024". Ainda assim, esperamos que alguém desafie Max Verstappen e sua Red Bull, nem que seja para dar alguma graça à série da Netflix no próximo ano —a sexta temporada foi miserável.
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