Sergio Firpo

Professor de economia e coordenador do Centro de Ciência de Dados do Insper

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Descrição de chapéu universidade

Inclusão social ainda não foi suficiente para reduzir desigualdade no ensino superior

País discute cobrança de mensalidade nas universidades públicas e deixa de lado debate urgente sobre expansão da educação profissional e tecnológica

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Nas últimas duas semanas discutiu-se na grande imprensa e nas mídias sociais a proposta de emenda constitucional que permitiria que universidades públicas pudessem cobrar mensalidades de seus alunos de graduação pelos serviços de ensino ali prestados. O debate rapidamente se acalorou, ainda que poucos números tenham sido apresentados para informá-lo.

O que os dados recentes do IBGE mostram é que, a despeito da enorme inclusão social que o sistema de cotas proporcionou, o acesso ao ensino superior, seja ele público ou privado, ainda é altamente dependente da renda familiar. Entre jovens de 17 a 24 anos vivendo em famílias com renda familiar per capita superior a cinco salários-mínimos, a proporção que está no ensino superior público é quatro vezes maior do que entre aqueles da mesma faixa etária, mas em famílias com renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo.

A proporção de jovens matriculados no ensino superior está em 18%. Mais de dois terços dessas matrículas são em instituições privadas, que é por onde escoa a crescente demanda por instrução. As universidades públicas encontram-se na inusitada situação de terem excesso de demanda e fontes de receita cronicamente insuficientes para cobrir seus orçamentos.

Sala de aula da Faculdade de Direito da USP sem alunos durante a pandemia
Sala de aula vazia na Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, no primeiro ano da pandemia - Karime Xavier -11.ago.20/Folhapress

A distribuição de renda dos jovens matriculados no ensino superior assemelha-se, não surpreendentemente, à distribuição de renda dos jovens de 14 a 19 anos matriculados no ensino médio privado. Ou seja, suas famílias já têm sido capazes de arcar com custos de educação até os 18 anos de idade. Enquanto isso, a distribuição de renda dos jovens de 14 a 19 anos matriculados no ensino médio público assemelha-se à distribuição de renda dos jovens de 17 a 24 anos que estão fora do ensino superior. Essas semelhanças não são coincidências.

Dos matriculados no ensino médio, em torno de 85% estão na rede pública. Com os dados longitudinais do IBGE, pode-se acompanhar o que acontece com um jovem matriculado no 3º ano do ensino médio no ano seguinte.

De um ano ao outro, o jovem que inicialmente estava a concluir o ensino médio privado tem 60% de chance de continuar a estudar, seja no ensino superior ou em cursos pré-vestibulares. Essa chance é de 26% para o jovem que estava no ensino médio público, ou seja, menos da metade. A conta se inverte quando olhamos para aqueles que passam a não trabalhar nem a estudar no ano seguinte. Enquanto para os terceiranistas do médio público essa chance é de quase 50%, para o do médio privado é menos da metade.

Esses números se tornam ainda mais díspares quando olhamos por classes de renda familiar per capita e não pela origem privada ou pública do ensino médio. Jovens do 3º ano do ensino médio em famílias com mais de cinco salários-mínimos per capita têm 80% de chance de apenas estudar no ano seguinte. Entre jovens em famílias até meio salário-mínimo per capita, essa chance é um pouco maior do que 20%, um quarto da dos jovens de renda mais alta.

Assim, enquanto o país discute se se deve ou não cobrar de quem pode pagar (e estaria disposto a pagar, se preciso), continuamos a deixar de fora do centro de nossas atenções o jovem que entra precocemente, com formação inadequada e sem chances reais no mercado de trabalho. E dessa forma mantemos o debate sobre ampliação da oferta do ensino profissional e tecnológico subterrâneo, sem a visibilidade e a atenção devidas.

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