Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues

Uma ideia de Brasil

João Gilberto, Machado, Pelé e a busca do orgulho nacional perdido

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Todo artista de alguma dignidade é contra seu próprio país. Pense em Dante, Tolstói, Shakespeare, Rabelais, Cervantes, Swift e Mark Twain.” 

A tirada do jornalista americano H.L. Mencken (1880-1956) —um conservador sem papas na língua, flor daquilo que mais tarde viria a ser chamado de incorreção política— tem um miolo de verdade sob as camadas chamativas da generalização chocante.

O patriotismo nunca rendeu grande arte. A humanidade inteira é a única “pátria” com amplitude suficiente para ser caixa de ressonância de obras universais como as dos autores citados acima.

Música: disco "O Amor, o sorriso e a flor" (1960, Odeon), do cantor João Gilberto, fotografado na casa do jornalista Ruy Castro, no bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro (RJ)
Música: disco "O Amor, o sorriso e a flor" (1960, Odeon), do cantor João Gilberto, fotografado na casa do jornalista Ruy Castro, no bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro (RJ) - 06.06.2011 - Rafael Andrade/Folhapress

Pertencem a uma liga bisonhamente inferior versos como estes de Olavo Bilac, um poeta que, justiça seja feita, tem momentos melhores: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!/Criança! Não verás 
nenhum país como este!”

Mesmo assim, deve-se reconhecer que não é mole ser “contra seu próprio país” no sentido referido por Mencken —um sentido que, vale frisar, tem a ver com independência de espírito, não com traição ou entreguismo.

Conversando com o público no debate de lançamento de meu novo livro na terça (13), no projeto Sempre um Papo, em Belo Horizonte, me peguei pensando em como uma certa ideia de Brasil, coletiva mas não necessariamente colada ao país real, nutriu tudo o que escrevi até hoje. 

E como essa ideia está em crise. “A Visita de João Gilberto aos Novos Baianos” (Companhia das Letras) é um livro que chama para brincar alguns dos responsáveis por garantir que essa ideia, feita mais de sonho que de realidade, nunca tenha sido um simples delírio.

Além do genial João, “uma pessoa conhecida” que reescreveu o passado e o futuro da música brasileira (e que estava vivo quando o livro saiu), passam pelos contos de “A Visita...” as sombras de Machado de Assis, dos poetas inconfidentes e das gerações de craques que nos deram o tricampeonato 
mundial de futebol.

Meu livro mais leve e solar —disparado— sai num momento em que o Brasil não poderia estar mais pesado e escuro. 

Não foi algo planejado, mas parece haver aí uma forma de compensação. E também uma tentativa de manter a saúde e a sanidade. 

Por que será mesmo que um dia fomos capazes de sentir orgulho do Brasil? Como foi possível crer que conseguiríamos desatar essa maçaroca de nós de violência e barbárie para nos tornarmos um país decente, referência positiva no mundo? 

Ah, sim! Por isso: uma intuição, uma ideia, algo que era possível entrever de esguelha em nossa melhor arte —música à frente, futebol incluído. Não se trata exatamente de saudosismo: um país decente 
nunca estivemos perto de ser.

A violência da colonização, o massacre dos índios, o opróbrio da escravidão e de sua herança maldita —jamais encarada para valer —nos legaram um país com desigualdade de pesadelo e relações sociais perversas.

Uma sociedade que só tem o direito de partilhar dos ideais iluministas ocidentais como ideias fora do lugar.

Não sou original no diagnóstico de que o Brasil está doente, envenenado de ódio e incapaz de encontrar —pior, pouco interessado em fazê-lo —um solo comum onde suas diferenças sejam equacionadas dentro do campo de jogo da democracia.

O que me angustiou em Belo Horizonte foi outra ideia, quem sabe ainda mais sombria: ao falar dos personagens luminosos que meu livro conjura, me ocorreu pela primeira vez que a luz emanada deles 
possa ser a do crepúsculo.

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