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Nos cem anos da morte de Olavo Bilac, jornalismo do autor merece ser mais lido

Ao contrário de Lima Barreto, ele se lançou como desvairado defensor da modernização urbana no Rio

Alvaro Costa e Silva
Rio de Janeiro

Em sua trajetória na imprensa, Olavo Bilac foi antes um articulista —mais ou menos na linha dos que temos hoje— que um cronista de modas e costumes, atuação que consagrou seu contemporâneo João do Rio.

Nesta sexta-feira (28), completam-se cem anos de sua morte —passado tanto tempo, seu trabalho como jornalista ainda merece ser mais conhecido pelos leitores.

Bilac concentrou sua atividade jornalística no período entre 1897 e 1908, auge de sua colaboração nos jornais Gazeta de Notícias e A Notícia e na revista Kosmos. Já granjeara então enorme popularidade como poeta, nome canônico do parnasianismo, a quem as pessoas paravam para admirar quando desfilava de pince-nez na rua do Ouvidor.

Por dever de ofício, deu atenção aos fatos do dia a dia, mas nunca dispensou a ironia e o humor. Preferia “os piparotes aos socos”, como notou o professor de literatura Antonio Dimas, que reuniu em dois extensos volumes grande parte da produção bilaquiana saída em periódicos. A caixa “Bilac, o Jornalista” foi publicada em 2002, parceria das editoras da USP e da Unicamp que continua em catálogo.

Só para a Gazeta de Notícias —o jornal mais inovador e barato da época— assinou cerca de 900 textos. Opinou sobre tudo: urbanização, saúde, escândalos políticos, ingerência da religião no Estado, malversação do dinheiro público, carestia, segurança urbana, deficiência do transporte, relações internacionais, emancipação feminina, violência sexual, invasão de privacidade. Analisando a lista de pautas, mais parece que ele comentava o nosso 2018.

Foi até preso, provando que perseguição a jornalistas não é novidade no Brasil. Nas páginas do pasquim O Combate, com o pseudônimo de Pierrot, ele atazanou a vida do presidente Floriano Peixoto durante a crise política de 1892.

Acabou passando quatro meses entre as muralhas da fortaleza da Laje, na Urca, sendo “exportado” para Ouro Preto no ano seguinte. Durante o exílio, descobriu —bem antes dos modernistas— a riqueza da cidade colonial mineira como inspiração literária.

Escondido sob o pseudônimo de Diabo Vesgo (sim, o poeta era estrábico), Bilac viu nos jagunços de Canudos um perigo para a civilização ocidental. Antônio Conselheiro não passava de “refinadíssimo patife”, sujeito que merecia ser “corrido a pedra e a sabre”. Claro que nem de longe ele conheceu o sertão da Bahia; baseava sua opinião em debates travados na confeitaria Colombo, entre chás e biscoitos.

Ao contrário do escritor e também jornalista Lima Barreto, Bilac se lançou como desvairado defensor da modernização urbana e sanitária do Rio de Janeiro levada a cabo pelo prefeito Pereira Passos a partir de 1903. Antes da abertura efetiva da avenida Central —atual Rio Branco—, ele imaginava o resultado:

“Parece-me que a vejo acabada, ampla e formosa, com as suas árvores, os seus palácios, as suas lâmpadas elétricas, os seus ‘refúgios’, e cheia de uma multidão contente e limpa. Ainda não é realidade: mas já não é sonho. (...) E, pela avenida em fora, acotovelando outros grupos, fui pensando na revolução moral e intelectual que se vai operar na população, em virtude da reforma material da cidade”.

Nas páginas em que mais escancara sua paixão pelo Rio, Bilac se aproxima da crônica clássica do século 20, tornando-se um observador, ora lírico, ora cruel, da cidade. Nada do que era carioca lhe parecia estranho: Paquetá, o futebol (falou a favor, enquanto Lima Barreto era contra), as praias, o calor, o teatro, a festa da Penha, a música, o Carnaval (elogiava num dia, criticava no outro), a sujeira das ruas, os subúrbios, os prefeitos incompetentes, o Corcovado, os cafajestes.

Até aquele apelido horrível, Sebastianópolis, ele usou. Mas, pela beleza e pela ousadia do que escreveu, está desculpado.

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