Sérgio Rodrigues

Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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Sérgio Rodrigues
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro Coronavírus

Pequeno glossário da corrupção

Ela tem história, mas nunca havia trocado tantas vidas por jabaculês

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Covidão, vacinagate, genocina? Enquanto a língua não se decide entre os muitos nomes possíveis de um dos escândalos de corrupção mais asquerosos da história do mundo, aí vai (em ordem lógica, não alfabética) um glossário básico da atividade.

Como se sabe, nada disso é novo na história do Brasil –pelo contrário. A diferença é que os corruptos ainda não tinham condenado centenas de milhares de pessoas à morte em troca de jabaculês.

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Ricardo Barros e Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto - Pedro Ladeira - 5.mai.21/Folhapress

Corrupção – Antes de designar a venda ilegal de favores por representantes do poder público, corrupção é deterioração, apodrecimento. A palavra corrupto vem do latim “corruptus”, particípio de corromper: é o podre, o que estragou. O termo começou literal, orgânico, e por metáfora se tornou moral, administrativo.

Prevaricação – Também veio do latim e também inclui um desdobramento por sentido figurado. Antes de ser “crime cometido por funcionário público quando, indevidamente, este retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou pratica-o contra disposição legal expressa, visando satisfazer interesse pessoal” (Houaiss), era o ato negligente de deixar o arado sair da linha reta quando se lavrava o campo. Como se vê, o estrago que a acepção original fazia era bem menor.

Propina – Com o sentido de suborno, tornou-se nossa palavra preferida para designar a moeda da corrupção. Trata-se de um brasileirismo. A palavra nasceu festiva no grego “propino”, uma saudação que acompanhava brindes (prenúncio da cervejinha do guarda?), mas por séculos se manteve longe do crime.

Sempre foi em português um sinônimo de gorjeta, aquilo que se acrescenta à remuneração por um serviço satisfatório, sem conotação de ilegalidade. Em Portugal é o nome da taxa cobrada por matrículas escolares. Faz poucos anos que os dicionários brasileiros se renderam ao sentido hoje dominante no país.

Suborno – Desalojado pela propina de nossas preferências vocabulares, suborno tem uma formação curiosa que vale a pena lembrar. Esse nunca foi inocente. No latim em que nasceu, o verbo “subornare” é um surpreendente parente de “ornare” –que é o que parece mesmo, ornar, aparelhar, equipar, enfeitar, embelezar.

Subornar, na origem, era fazer tudo isso, dar um presente bem bonito, mas sub-repticiamente, por baixo do pano. Valia joia ou qualquer bem de valor, claro: tudo ornava. Mas sempre se preferiu dinheiro vivo, que é mais difícil de rastrear.

Quadrilha – Um dos nomes mais usados para grupos de autoridades e outros agentes públicos que se organizam a fim de estruturar um esquema de corrupção, tirando-a do relativo amadorismo das ações avulsas. Para evitar a monotonia vocabular, a língua dispõe dos sinônimos bando, cambada, canalha, corja, máfia, malta e súcia, entre outros. Famiglia e milícia são acréscimos mais ou menos recentes a essa lista.

Pizza – Emblema de impunidade, é o sonho de todo corrupto apanhado com a mão na massa. Este mês faz 29 anos que a expressão “acabar em pizza”, um regionalismo paulista, entrou para a corrente principal do português brasileiro.

Naquele 31 de julho de 1992, depondo na CPI que investigava os crimes do governo Collor, uma secretária de Araraquara chamada Sandra Fernandes de Oliveira declarou: “Se isso realmente acabar em pizza, como querem alguns, acho que é o fim do país”.

Daquela vez não terminou em pizza –terminou em impeachment, e o fim do país foi adiado. Ouviu, Arthur Lira?

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