Shireen Mahdi

Economista principal do Banco Mundial para o Brasil e doutora em economia pela Universidade de Manchester (Reino Unido)

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A União Europeia, o Mercosul e o clima

A exposição do Brasil às exigências climáticas da UE na área de comércio é preocupante?

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Acordos comerciais são processos complicados e demorados. As exigências climáticas, uma característica relativamente nova e crescente desses acordos, aumentam sua complexidade. O Acordo Comercial UE-Mercosul é um bom exemplo disso.

A introdução de políticas climáticas em acordos comerciais tem o objetivo de enfrentar os impactos ambientais do comércio e promover práticas sustentáveis. Essas políticas refletem a crescente preocupação global com o meio ambiente e o reconhecimento de que o comércio é capaz de gerar impactos ambientais positivos e negativos.

O Acordo UE-Mercosul inclui exigências climáticas, e essa tem sido uma das questões-chave das negociações. Mas o que dizem as evidências sobre a exposição do Brasil às condicionantes climáticas da UE?

Lula participa de coletiva ao lado de Olaf Scholz e diz que não vai desistir do acordo UE-Mercosul se não ouvir "não" de todos os envolvidos
Lula participa de coletiva ao lado de Olaf Scholz e diz que não vai desistir do acordo UE-Mercosul se não ouvir "não" de todos os envolvidos - Michele Tantussi - 4.dez.2023/AFP

Um artigo publicado recentemente por pesquisadores do Banco Mundial sugere que a exposição do Brasil não é tão assustadora quanto se poderia pensar.

A introdução do Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, na sigla em inglês) é uma das principais características climáticas do acordo.

Trata-se de um mecanismo que acrescenta um valor às importações para anular eventuais vantagens de custo que empresas que atuam em países sem um mercado de carbono regulado possam desfrutar ao vender seus produtos em países regulados.

O ajuste —que seria aplicado a produtos manufaturados, como cimento, ferro, aço, alumínio e fertilizantes— é visto como uma forma de promover igualdade de condições (de carbono) nesses mercados.

O estudo demonstra que as emissões brasileiras apresentam intensidade superior às da União Europeia em quatro dos cinco produtos afetados, o que coloca o Brasil em posição de desvantagem.

No entanto, a exposição global do Brasil ao CBAM seria limitada, uma vez que as exportações desses produtos para a UE representam apenas 0,5% do total de exportações do país (usando 2019 como ano de referência, no cenário base).

Além disso, a exposição diminuiria se esses setores avançassem na redução de suas emissões.

O segundo instrumento importante no acordo UE-Mercosul é uma exigência de importação de produtos livres de desmatamento.

O Brasil provavelmente seria classificado como um país de "alto risco" para os efeitos desse requisito, o que resultaria em uma análise mais rigorosa de suas exportações.

No caso do desmatamento, a exposição potencial é relativamente maior (em torno de 5% das exportações) dada a grande parcela de commodities agrícolas na cesta de exportações do Brasil.

Todavia, a exposição real provavelmente seria menor se fosse excluída a parcela dos exportadores brasileiros que já vêm investindo em cadeias de abastecimento livres de desmatamento. As regras afetariam apenas o subconjunto de exportadores com práticas ambientais e de rastreabilidade inadequadas.

O estudo também revela que, em ambos os casos, os riscos do Brasil são mitigados pela grande diversificação de seus parceiros comerciais para os produtos afetados. O nível de diversificação, em média, está entre os mais altos da região da América Latina e do Caribe.

Mesmo que a exposição do Brasil às políticas climáticas da UE não seja preocupante, é importante lembrar que tais requisitos não se limitam ao Acordo Comercial UE-Mercosul. O estudo apresenta estimativas semelhantes para as negociações comerciais com os EUA e uma série de outras jurisdições que provavelmente seguirão o exemplo europeu na negociação de seus acordos comerciais.

Logo, a questão mais relevante passa a ser como preparar os setores produtivos e as empresas brasileiras para uma integração global mais verde, com destaque para a necessidade de abraçar a agenda verde, em vez de afastar-se dela.

Várias medidas podem ser adotadas. Por exemplo, os setores e as empresas brasileiras precisam de ajuda para avaliar suas emissões de carbono e o preço do carbono incorporado em seus produtos. Também precisam de soluções para simplificar o rastreamento do desmatamento e os processos de due diligence em suas cadeias de suprimentos.

As associações comerciais e o setor público podem ajudar a promover sistemas de dados e métodos para apoiar os exportadores a obter esse tipo de informação e fornecê-la a seus parceiros comerciais.

O fortalecimento das políticas de precificação do carbono por meio de tributos e de um mercado regulado de carbono também alavancará o potencial do Brasil —e, em particular, sua matriz energética verde— para posicionar o país como uma potência verde.

O Brasil, uma das maiores economias do mundo, precisa estar mais profundamente integrado aos mercados globais.

Esse processo é desafiador e repleto de preocupações como justiça, equilíbrio e protecionismo. Mas, quando se trata do meio ambiente, as evidências sugerem que a agenda de clima poderia abrir portas para esse objetivo, ao invés de fechá-las.

A coluna retorna em 29 de janeiro.

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