Não sentamos à mesa, dizem ativistas sobre 'COP do petróleo'

Ongueiros, lideranças indígenas e jovens periféricos fazem balanço de participação recorde em fórum

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São Paulo

De "COP do petróleo" a "pior COP de todos os tempos", são duras as críticas que ongueiros, jovens ativistas e lideranças indígenas fazem à conferência do clima da ONU deste ano. Entre elas, a falta de avanços em temas como petróleo e floresta, as contradições do governo brasileiro e a baixa participação da sociedade civil nas mesas de negociação.

Representar algumas das populações mais afetadas pelos eventos climáticos no Brasil estava na ordem do dia. Mas a ida a Dubai, para estas lideranças, também significava influenciar o governo brasileiro em suas posições, fazer pressão pelo abandono dos combustíveis fósseis e pelo desmatamento zero e pavimentar o caminho para a Cop 30, que será em Belém (PA), em 2025.

Painel reúne empreendedores socioambientais do Brasil na COP28, em Dubai
Painel reúne empreendedores socioambientais do Brasil na COP28, em Dubai - Fernando Donasci

"Na sequência que gostaríamos, essa seria a COP da eliminação dos combustíveis fósseis, a próxima seria a do financiamento e, em Belém, as metas seriam repactuadas", diz Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde & Alegria.

Ele conversou com a Folha enquanto se dirigia a um dos inúmeros eventos de uma conferência marcada por longas distâncias e espaços segmentados.

"Mas essa é a pior COP de todos os tempos, acham que dá para queimar petróleo mais um pouquinho e, enquanto isso, quem defende a floresta está recebendo bala, mercúrio e doença em troca."

O ponto positivo do encontro, diz o empreendedor social que já participou em outros anos, é a delegação indígena brasileira. Composta por gente como Ivaneide Cardozo, que lidera a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, de Rondônia, e é mãe da ativista e colunista da Folha Txai Suruí.

"Os povos da floresta estão em peso aqui, mas não se sentam à mesa de decisão. Os negociadores são outros, essa COP tem dono", afirma ela em referência a Sultan Al Jaber, presidente da conferência de 2023 e também da petroleira estatal Adnoc.

Neidinha, como é conhecida, participa de painéis e compartilha o evento em suas redes. "São nesses bastidores que a sociedade civil coloca suas ideias e cobra governos" —entre as publicações, vídeos com as ministras Marina Silva (Meio Ambiente) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas).

Na companhia da filha Txai, que é pop e participa de diversos painéis, ela faz pressão pelo abandono dos combustíveis fósseis. "Sabemos dos impactos da mineração em nosso território e a transição justa só será possível com demarcação das terras indígenas, financiamento e regeneração das florestas."

A indigenista teve sua viagem paga por organizações da sociedade civil, uma vez que estar nos Emirados Árabes exige recursos e tempo.

"É caríssimo e não tem farinha, uma tristeza", brinca ela. Acostumada à paisagem amazônica, Neidinha estranhou os arranha-céus espelhados de Dubai. "É isso o futuro?"

Mesma opinião de Luís Fernando Guedes, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica. "Dubai é esquisita, lugar concreto, cheio de luzes, não é minha praia", diz ele, que esteve em três painéis durante o fórum.

Em um deles, apresentou a queda de 59% no desflorestamento do bioma na comparação com 2022. "A Mata Atlântica é o lugar onde poderemos alcançar o desmatamento zero primeiro", diz Luís Fernando, que teve sentimentos mistos em relação ao posicionamento do governo brasileiro.

"O Brasil volta a ser protagonista na agenda florestal, tem propostas, influencia e lidera. Mas se apresenta de maneira ambígua e contraditória em relação ao petróleo."

Isso porque, segundo ele, o país se coloca a favor da redução do uso do combustível nas salas de negociação, mas se tornou um dos integrantes da Opep+ durante o fórum. O grupo reúne, além dos 13 membros do cartel da Opep, países produtores de petróleo.

Apesar da crítica, o ambientalista elogia a comitiva brasileira, que se mostrou acessível na COP. "Abriram espaços formais para debater com a sociedade civil, tivemos reunião com o presidente Lula e demos recados duros."

Em sua terceira conferência do clima, Luís Fernando diz ter ficado emocionado em duas situações neste ano.

Primeiro durante uma plenária com Hillary Clinton e Melinda Gates, que trouxeram à mesa casos de meninas pobres do Quênia que sofrem mutilação —"As mulheres são as principais vítimas da mudança climática"— e, depois, em um debate do movimento negro brasileiro. "Eu era o único branco na sala, pois os outros estavam em reuniões de negócios com outros brancos", afirma.

De São Paulo, marcou presença o UniãoBR, que nasceu na pandemia e se especializou em ajuda humanitária em catástrofes climáticas. Só nos últimos dois anos, o movimento fez 20 ações, incluindo Bahia, Minas Gerais, São Sebastião (SP), Petrópolis (RJ) e Rio Grande do Sul.

"Viemos para escutar países que passam por problemas parecidos e vimos que as dores são as mesmas", diz Tatiana Monteiro de Barros, fundadora do UniãoBR. "E me emocionou ver que o trabalho em colaboração realmente faz a diferença."

A executiva avalia que o Brasil se tornou protagonista no debate climático. "Os holofotes estão em Belém e é importante termos musculatura para iniciar mudanças urgentes, com a agenda do clima junto à agenda da desigualdade."

Juventude na COP28

Jovens ativistas do Brasil foram à COP na esperança de chamar atenção para as negociações do clima. Mas descobriram que não há manifestações espontâneas em Dubai.

"Temos que avisar com dois dias de antecedência e tem que ser aprovado", diz Gabriel Arthur, 18, que foi de Altamira (PA) para os Emirados Árabes.

"Mas o bom é que você anda e encontra ativistas que admira, tromba com ministro, janta com deputado", diz ele, que é changemaker da Ashoka, membro do CoJovem e busca articular maior participação política da juventude na COP de Belém.

jovens em volta de uma mesa branca com homem de social
O jovem ativista Gabriel Arthur e a Cooperação da Juventude Amazônica para o Desenvolvimento Sustentável em reunião com Helder Barbalho (MDB) - Ana Pessoa/Mídia Ninja

"Enquanto ativista amazônida, a transição energética não é minha prioridade. No meu território há problemas antigos que não estão na moda, como a mineração", afirma. "Mas é baixa a participação da sociedade civil em ambientes de negociação."

O encontro com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), foi o ponto alto da semana para Gabriel. Em meio à maratona de atividades, a juventude também aproveita eventos culturais, como um show de Fafá de Belém na COP. "Há festinhas aqui e ali, mas é um ambiente muito institucional e nos preparamos para estar aqui."

Também esteve na Cop Jahzara Oná, 19, moradora e ativista da comunidade Pantanal (SP), que sofre com enchentes frequentes.

"Cheguei com expectativa baixa, vi um monte de prédios na areia, nada para fazer", brinca ela, que conversou com a Folha enquanto aguardava sua refeição no quarto do hotel, no dia livre do fórum, após uma semana intensa de debates e diálogos. "A juventude se encontra, fomos à praia, jantamos juntos em lugares baratos, e temos nossa lutas."

A changemaker da Ashoka organizou um diálogo entre a juventude brasileira e discursou sobre sua comunidade em um painel.

"Não tem como falar de favelas e de pessoas vulneráveis à crise climática sem essas pessoas estarem aqui", diz Jahzara, que é a primeira mulher de sua família a pegar avião.

"Este é um espaço formado majoritariamente por homens brancos, então ser alguém ‘fora da caixinha’ fazendo pressão é uma forma efetiva de fazer com que as coisas acordadas aqui cheguem na base."

Neste último dia do fórum (12), a maior parte dos empreendedores sociais e ativistas já deixou Dubai. Na bagagem de volta, a sensação de que faltou ambição nas negociações.

"Essa é a dor da COP: ela acaba e ficamos muito atrás do que precisaria ser decidido e ainda mais atrás do que precisaria ser feito agora", diz Luís Fernando, da SOS Mata Atlântica.

"A situação é grave e não é papo de ONG", afirma Caetano Scannavino, do Saúde & Alegria.

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