Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Solange Srour
Descrição de chapéu Selic juros inflação

É hora de falar da dívida?

A dificuldade de administrar o tema é só um dos lados da crise de confiança

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No começo da pandemia, não era preciso recorrer às incoerências da “teoria monetária moderna” para encontrar o apoio à visão de que o Brasil poderia conviver com uma elevada dívida sem grandes consequências. Segundo essa tese, enquanto a expectativa da taxa de juros real de equilíbrio fosse menor do que a projeção de crescimento potencial da economia, a trajetória esperada para a razão dívida/PIB seria de queda, mesmo com elevados déficits primários.

O argumento de que o “novo normal” seria de juros baixos não sobreviveu à realidade de um país em que o auxílio emergencial só tem no nome o caráter de urgência. Nas últimas semanas, as sementes de grave crise de confiança começaram a brotar. O Tesouro vem tendo problemas para a rolagem dos vencimentos e a colocação de novos títulos.

Não só os prêmios exigidos pelos investidores para carregar títulos de médio e longo prazo dispararam, mas também os títulos de curtíssimo prazo começaram a ser negociados com deságio no mercado secundário. Como consequência, os fundos DI (os mais conservadores) apresentaram cotas negativas, para apreensão dos poupadores.

Não é só a incerteza fiscal que gera turbulência. Há fatores conjunturais —advindos da trajetória de queda dos juros a 2%— que afetam o mercado de títulos e trazem perdas para investimentos vistos como “livres de risco”.

Fundos de renda fixa de longo prazo, que carregam estoque elevado de papéis pós-fixados (LFTs), têm tido uma diminuição de patrimônio relevante. Com Selic a 2%, as rentabilidades descontadas das taxas de administração ficaram pouco atrativas, gerando saques e queda dos preços dos títulos.

Quando taxas de juros vão a níveis muito baixos, é normal a mudança nos portfólios dos investidores. Mas o que difere o Brasil dos demais países com taxas de juros reais negativas é que os investidores não parecem dispostos a alongar o prazo das aplicações, mesmo com altos prêmios. A falta de demanda para os vencimentos é gritante.

Quem acompanhou o debate sobre a política fiscal e a gestão da dívida pública ao longo das duas últimas décadas vê o extraordinário aumento e encurtamento do prazo da dívida como algo perigoso. Em 2003, o Brasil viveu uma crise de dívida. Então havia uma parcela significativa de dívida cambial, mas a dívida total correspondia a 60% do PIB, e os juros foram a 26%.

Hoje a dívida é do tamanho do PIB, o país não tem superávits primários estruturais há mais de uma década, e o PIB potencial só cai. Sem horizonte de solvência, é difícil administrar a necessidade de financiamento público com juros baixos de curto prazo. Mas se os juros subirem, a dinâmica da dívida piorará mais ainda. Pode, até, acontecer de nem mais a poupança ser um ativo sem risco.

Nossa dívida ser carregada predominantemente por domésticos não ajuda. Mesmo os países vistos como portos-seguros e com demanda cativa por títulos enfrentam dificuldades para administrar dívidas extremamente elevadas. Em vários momentos, EUA e Japão tiveram de recorrer às compras de títulos por parte dos seus bancos centrais para financiar seus elevados volumes de vencimentos a juros extremamente baixos.

O Brasil não terá esse privilégio: é um país emergente, com risco de perder sua única âncora fiscal (o teto de gastos) e sem espaço para aumentar a carga tributária. Se o Banco Central começar a financiar o Tesouro, as expectativas de inflação subirão fortemente, e a estabilidade da moeda será corroída.

A dificuldade de gerir a dívida é apenas um dos aspectos de uma grave crise de confiança que pode desaguar no repúdio a qualquer ativo denominado em real. Parece não ser possível esperarmos as eleições municipais e, talvez, as eleições para Câmara e Senado para assegurarmos que o teto de gastos não irá cair. Quanto mais esperarmos para agir, maior será a dificuldade econômica no curto prazo, e maior será o ajuste necessário mais adiante.

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