Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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O novo normal do mercado de trabalho e a inflação

A prioridade dos governos deverá ser a busca por ganhos de produtividade

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Quase dois anos após a eclosão da pandemia, milhões de pessoas permanecem fora do mercado de trabalho em diversos países. Seja para evitarem contrair a doença, seja por causa do retorno ainda lento das escolas, seja, talvez, por causa de um grande número de aposentadorias precoces, o fato é que a queda na participação da força de trabalho é uma ameaça à recuperação global.

Em um primeiro momento, esperava-se que tal fenômeno fosse transitório. Agora, teme-se que a questão seja mais profunda, criando um dilema para os bancos centrais. Diante da demanda global ainda bastante estimulada, cresce o risco de que a aceleração dos preços possa ser transmitida para os salários, exercendo maior pressão na já alta inflação.

Nos EUA, mais de 4 milhões de trabalhadores deixaram a força de trabalho desde o início da pandemia, e a taxa de participação ainda está 1,7 ponto percentual abaixo do nível observado no início de 2020. Os benefícios generosos para os desempregados expiraram em setembro sem gerar mudança perceptível na participação da força de trabalho. Por outro lado, a taxa de poupança permanece extremamente elevada e continua sendo uma das explicações para que os trabalhadores prefiram não procurar emprego.

Pessoas circulam na capital paulista em frente a cartazes que criticam Bolsonaro pela alta de preços - Marlene Bergamo -2.mar.2021/Folhapress

Pressões semelhantes são visíveis no Reino Unido, onde se estima que haja agora quase 1 milhão de pessoas a menos na força de trabalho do que haveria se as tendências pré-pandemia tivessem continuado. Por lá, a escassez de mão de obra está sendo exacerbada pelo brexit, que afetou o fluxo de trabalhadores vindos da União Europeia.

São vários os países que têm apresentado uma tendência mais acentuada de aposentadorias precoces. Em contraste com as recessões anteriores, há menos idosos que se sentem forçados a se aposentar por falta de opções de emprego e um maior número dos que viram o aumento nos preços dos ativos ampliar sua riqueza e, assim, sentem-se confortáveis em se aposentar mesmo em idade produtiva.

Outro fenômeno bastante comum nas economias avançadas é o forte aumento do número de trabalhadores que estão deixando seus empregos em busca de melhores oportunidades. A chamada "grande renúncia" é intensa na Alemanha: mais de um terço de todas as empresas está relatando escassez de trabalhadores qualificados, de acordo com uma pesquisa do Instituto Ifo. Trata-se de um fenômeno que contribui para a elevação dos salários em diversos países.

Na África e na América Latina, a participação da força de trabalho foi afetada pela saída das mulheres do mercado de trabalho durante a pandemia. O fator que mais as prejudicou foi o longo período de fechamento das escolas. Como em muitos desses países as mulheres trabalham predominantemente no mercado informal (principalmente no setor de serviços), muitas não contaram com a ajuda de políticas voltadas para a manutenção do emprego e ainda foram prejudicadas pela lenta vacinação.

Estudos (por exemplo, "Gendered Laws and Women in the Workforce") sugerem que reintegrar as mulheres na força de trabalho leva um tempo significativo. A volta de um número reduzido de mulheres para o mercado deve gerar pressão sobre os salários dos trabalhadores menos qualificados, quando o crescimento se acelerar nessas regiões.

No Brasil, especificamente, dados recém-revisados pelo IBGE mostram uma recuperação mais forte da força de trabalho. Ao contrário da discussão global, o mercado de trabalho não tende a ser uma força inflacionária a curto prazo. No entanto, o nosso país pode sofrer bastante se a inflação lá fora se mostrar mais persistente.

Pela primeira vez em décadas, começa a ganhar força o cenário em que a aceleração da inflação é repassada para os salários e acaba gerando maiores juros e menor crescimento econômico. Por aqui, uma redução mais forte da ampla liquidez internacional potencializa os impactos negativos causados sobre a atividade econômica pela elevada incerteza fiscal.

O "novo normal" do emprego global pode ser inflacionário. De um lado, os bancos centrais devem se esforçar ao máximo para evitar que a alta inflação se perpetue via aumento de salários. De outro lado, a prioridade dos governos deverá ser a busca por ganhos de produtividade. Somente quando os salários sobem em compasso com o aumento da produtividade o bem-estar da sociedade aumenta sem gerar inflação.

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