Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management.

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Futuro da recuperação tende a ser mais incerto do que o usual

Desenrolar da pandemia trouxe desafios novos, mas que podem ser parcialmente tratados com políticas já conhecidas

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A retomada da atividade global até a primeira metade deste ano foi muito mais rápida e forte do que o esperado há um ano e meio. Políticas fiscais e monetárias extremamente expansionistas, aliadas à produção de vacinas eficazes, permitiram que o mundo saísse rapidamente da recessão. No entanto, o mundo não estava preparado para uma pandemia, assim como parece não estar preparado para os novos desafios que estão sendo postos, cujas implicações podem surpreender. O futuro da recuperação tende a ser mais incerto do que o usual.

De um lado, o processo de convergência da renda dos países emergentes para o nível dos desenvolvidos corre sério risco de ser interrompido. Até o fim de setembro, 58% da população de países de alta renda estava totalmente vacinada, ante 36% nas economias emergentes e 4% nos países de baixa renda. Enquanto a vacinação permanecer tão díspar, o risco de novas variantes não será pequeno.

Em seu último World Economic Outlook, o FMI previu que o crescimento econômico global ficará em 5,9% neste ano e 4,9% no próximo. Entretanto, com exceção dos EUA, cuja produção em 2024 deve ser 2,8 pontos percentuais maior do que o previsto em janeiro de 2020, grande parte do mundo ainda estará bem atrás. Nas economias emergentes asiáticas (excluindo a China) estima-se que a produção seja 9,4 pontos percentuais menor na mesma base de comparação. A projeção é de redução de 5 pontos percentuais na América Latina, 2,1 na China e 2,3 no mundo. Quanto mais os países emergentes ficarem para trás, maiores serão as chances de o mundo ter de enfrentar fluxos imigratórios, instabilidade financeira e ameaças geopolíticas.

De outro lado, a Covid também aumentou as disparidades dentro dos países ao afetar desproporcionalmente as pessoas mais vulneráveis. Tanto nas economias de alta renda quanto nas emergentes, as maiores perdas de emprego foram vistas entre os jovens, as mulheres e os trabalhadores de baixa qualificação. As crianças —particularmente as mais pobres— sofreram com as interrupções em seus estudos. A produtividade de médio prazo ficou comprometida. No curto prazo, a desigualdade social foi agravada pela adoção de tecnologias e do trabalho remoto, o que aumentou justamente a empregabilidade dos mais qualificados.

Apesar de toda recuperação a que temos assistido, o emprego permanece abaixo do nível pré-pandemia em todos os países. O mais intrigante é que, mesmo nos países onde a retomada tem sido mais intensa, o nível de emprego não responde ao crescimento das vagas ofertadas. Apesar do fim de estímulos fiscais que aumentaram diretamente a renda disponível dos trabalhadores que estavam deslocados do mercado de trabalho, o retorno destes tem sido lento, gerando pressões salariais em segmentos específicos. Nos países avançados, encontrar caminhoneiros, entregadores de pizza e garçons para preencher vagas em aberto tem sido uma tarefa árdua, o que tem causando pressões salariais não desprezíveis.

Tudo isso vem ocorrendo em um ambiente de alta inflação, com traços mais persistentes do que transitórios. É fato que grande parte da inflação global é explicada pelo aumento generalizado dos preços das commodities —e agora, mais notadamente, do petróleo e do gás. As quebras nas cadeias produtivas de diversos insumos não deveriam ser tão surpreendentes, dada a escala da desaceleração da atividade em 2020. Mas ainda que boa parte da produção já esteja reestabelecida, as pressões por aumentos de preços continuam significantes, indicando que provavelmente a demanda global por certos produtos será estruturalmente mais alta, como a da indústria de chips.

Ao mesmo tempo, a China, que sempre foi exportadora de deflação para o mundo em virtude de seus produtos mais baratos, tem enfrentado interrupções frequentes na transmissão de energia devido à oferta insuficiente de carvão. Tudo indica que a transição para a energia verde será mais lenta e custosa do que o previsto.

Há preocupação de que, por um lado, a alta da inflação afete as expectativas de médio prazo, tornando o seu controle mais difícil, e, por outro, reduza a renda real dos trabalhadores menos afortunados, causando uma perda significativa de seu poder de compra. Este seria o cenário de estagflação, um verdadeiro pesadelo para os bancos centrais.

O desenrolar da pandemia trouxe desafios novos, mas que podem ser parcialmente tratados com políticas já conhecidas. É urgente que o mundo caminhe na direção de um esforço acelerado de vacinação global, de uma maior determinação para proteger os mais vulneráveis do impacto de longo prazo desta crise, da busca por aumento da produtividade —e que alguns bancos centrais sejam mais rápidos na retirada dos estímulos monetários e no controle da inflação.

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