Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel

Não sei mais quem você é

Na Síndrome de Capgras, pessoas acham que entes queridos foram substituídos por impostores

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Existe uma condição neurológica rara, chamada Síndrome de Capgras, que faz as pessoas acharem que seus pais e pessoas mais próximas foram substituídos por impostores, ou mesmo alienígenas. É coisa bizarra que já rendeu boas histórias escritas por neurologistas do calibre de Oliver Sacks e V.S. Ramachandran.

Mas hoje eu vim propor que algo semelhante acontece em todo tipo de relacionamento: A síndrome do “eu-não-reconheço-mais-você”.

Acontece com namorados, casais e até nos nossos relacionamentos de mão única com personalidades e políticos.

Minha proposta é que parte importante do processo de reconhecimento social, pelo qual nós identificamos quem os outros são, são os sentimentos que o outro desperta em nós. De maneira bem específica: como a outra pessoa faz com que a gente se sinta.

Fulano não é apenas a pessoa que tem o rosto assim, usa óculos retangulares pretos, nasceu em tal cidade, fala tal língua e atende pelo nome Fulano. Ele é também a pessoa que me faz sentir relaxada e tranquila, e contando os segundos até que ele me abrace.

Representação de um cérebro
Parte do processo de reconhecimento social pelo qual nós identificamos quem são os outros pode ter a ver com os sentimentos que o outro desperta em nós - Matthew F. Glasser, David C. Van Essen/Reuters

Sicrano, por outro lado, é a pessoa que tem aquele outro rosto e que, toda vez que eu vejo no corredor, eu fico apreensiva porque eu sei que ele vai fazer alguma piadinha que eu não vou entender.

Eu reconheço meus pais e meus filhos até à distância não apenas pela suas vozes e aparências, mas porque eles despertam em mim sempre as mesmas emoções boas de carinho, proximidade e compreensão. E nós reconhecemos nossos namorados, cônjuges, pretendentes e representantes também pelas emoções positivas que eles despertam em nós...até que isso não funciona mais.

Às vezes é porque alguma faceta da personalidade do outro finalmente veio à tona. Outras, foi algo que o fulano fez ou disse. Ou o frisson da novidade passou e por baixo não restou muito. Ou acabou o assunto e ficou no ar o desconforto do silêncio e a obviedade de que o outro já não desperta mais nada em nós.

Donde a frase inevitável: “Eu não sei mais quem você é”. Literalmente. Você não desperta mais em mim os mesmos sentimentos —donde, você não é mais a mesma pessoa. E por causa disso, eu não reconheço mais você.

Se o contraste surge por causa de desconexão neurológica, onde a visão do outro não vem mais acompanhada de reação emocional de nenhum tipo, tem-se a sensação súbita de que tem algo errado com Fulano, e o cérebro se agarra à explicação mais plausível: Fulano não deve ser Fulano, e sim um impostor se fingindo de Fulano.

Mas, se vemos a desconexão surgir aos poucos ou finalmente nos damos conta, o resultado é o mesmo: é hora de agir e destituir quem não queremos que esteja mais lá.

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