Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel
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Só quem já é craque faz o básico perfeito

Voltar ao início é oportunidade ímpar para revisitar a técnica

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Eu faço pilates há 18 anos; o Sr. Medved, meu marido, que foi baterista profissional por quase o dobro disso, há uma década só andava de bicicleta aqui e ali. Quando ele topou sem pestanejar vir fazer pilates comigo, mantive uma das minhas aulas semanais "porrada" (aquelas onde as instrutoras mandam a gente fazer coisas teoricamente proibidas pela gerência por razões de seguro, um espanto neste país de processos a torto e a direito que são os EUA) e passei a marcar todas as outras aulas com ele, de volta ao nível 1. Tem sido minha oportunidade de voltar ao básico e ver o que acontece.

O que acontece, muito longe do tédio que alguns esperariam, é uma oportunidade ímpar para revisitar técnica. Sim, o exercício é levantar a perna –mas isso pode ser feito com todo o esforço dirigido ao peso da perna, quando se é principiante, ou com atenção minuciosa aos detalhes: o abdômen contraído, a perna esticada, o ângulo correto do pé, o quadril no lugar, o tempo da respiração. É pedir demais, provavelmente, quando a perna mal sai do lugar. Mas, quando o desafio do exercício em si fica fácil, o divertido passa a ser o desafio de fazer todos os movimentos com perfeição. Se prestar atenção na técnica no começo é um porre sem os cuidados de um instrutor que saiba oferecer vitórias aqui e ali para manter a motivação, voltar ao básico para revisitar a técnica pode ser uma oportunidade ímpar, daquelas que de outra forma a gente esquece de se dar.

Aula de pilates no Centro Esportivo Cambuci - Zanone Fraissat/Folhapress

Então ontem foi a vez de o Sr. Medved voltar ao básico: pedi, e ganhei, aulas de bateria, que eu nunca tinha experimentado, mas suspeitava que seria uma mistura de dança, sapateado e música, tudo ao mesmo tempo. Morando em Nashville, cidade onde Taylor Swift virou estrela, tive a oportunidade de assistir uma vez ao seu ex-baterista tocando por pura diversão num boteco fora de mão, com audiência minguada.

Agora dono de uma oficina mecânica para poder curtir a família, o homem era um espanto. Ele não tocava bateria: ele dançava no banco, baquetas em riste, que "por coincidência" batiam nos tambores do outro lado, num show digno do diabo do Charlie Daniels. Era ele quem mais estava se divertindo naquele estabelecimento, e eu queria saber o gosto que aquilo tinha.

Charlie Daniels em 2014 - Rick Diamond/Getty Images via AFP

Sr. Medved, que tinha sido professor de bateria também, pediu uns dias para preparar aula, resgatar um metrônomo das profundezas da garagem e espanar os instrumentos. Meus anos de aulas de música ajudaram, bem como ter aprendido, com sapateado de um lado e violoncelo de outro, que tornozelo e pulso precisam ficar soltos para serem ágeis. Ah, o benefício da idade, digo, da experiência: a gente aprende a aprender, pegando emprestado daqui para fazer melhor ali. Já deu para me divertir na primeira aula, e agora quero mais.

O baterista Wilson das Neves (1936-2017) - Vantoen Pereira/Divulgação

Mas o melhor mesmo foi ter desculpa para fazer o Sr. Medved tocar. Claro que ele deu uma canja aqui e ali, mas eu babei mesmo foi de ouvir a precisão, a naturalidade, o brilho de um profissional tocando até o ritmo mais bobão, que nos EUA é o indefectível "Back in Black" do AC/DC. É fácil de tocar? É. Mas tocar bem a ponto de merecer lugar no palco são outros quinhentos.

Como dizia meu primeiro professor de violão: primeiro a gente tira as notas da música, depois a gente tira a música das notas –mesmo as mais básicas. Quem sabe um dia desses eu conquisto o prazer de dançar na bateria?

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