Suzana Herculano-Houzel

Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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Suzana Herculano-Houzel
Descrição de chapéu Mente Todas

Se as lágrimas rolam, é porque o cérebro desistiu de controlar a situação

Às vezes é de tristeza, às vezes é de felicidade, às vezes é de alívio

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Eu andei chorando ultimamente, e em circunstâncias totalmente diferentes. Primeiro foi ao ver a Rebeca Andrade ser reverenciada no pódio pelas colegas após cravar sua apresentação no solo. Mais tarde, no fim das férias, na hora de deixar a casa dos meus pais e pegar avião de volta para casa, nos EUA. Depois, de volta à paz do meu escritório após 90 minutos de uma reunião tão exaustiva e exasperante com meu chefe de departamento que usou toda a minha capacidade de autocontrole. E, na semana passada, ao ler no Threads que Steve Silberman, um dos meus heróis pessoais, autor do livro "Neurotribos", havia morrido aquela noite, do nada, aos 66 anos de idade.

E às vezes eu choro só de chegar em casa e abraçar meu marido apertado. Ele, por sua vez, chora ouvindo música, e às vezes só de me contar histórias sobre os heróis pessoais dele.

O que tantos choros diferentes têm em comum? E o que nos faz chorar? Note que esta pergunta é muito diferente de: "para quê chorar?".

Após consultar a literatura e rodar alguns experimentos mentais, acho que cheguei, se não a uma conclusão, ao menos a uma hipótese de trabalho –o que está ótimo, porque é de hipóteses testáveis e falsificáveis (quer dizer, que podem ser refutadas) que a ciência é feita.

Acho que o choro é o que acontece quando o cérebro para de tentar se segurar em uma situação de tensão.

Rebeca Andrade, Simone Biles (esq.) e Jordan Chiles nas Olimpíadas de Paris - Gabriel Bouys/AFP

Minha busca na literatura científica deu surpreendentemente poucos resultados: há pouca gente mundo afora estudando o choro. Mas já se aprendeu que a parte sobre derramar lágrimas é controlada não pelo tal do sistema nervoso simpático, e sim pelo parassimpático.

Os nomes são antiquados, as funções não são bater ou correr, e a divisão real é entre as funções viscerais comandadas pela medula espinal ou pelo tronco cerebral –mas procede que a divisão craniana, ex-parassimpática, de fato promove um retorno à calma após a tensão.

A implicação, portanto, é que aquilo que produz o choro não é a tensão, mas a resolução da tensão, o que casa com o pouco que se sabe além disso: o córtex pré-frontal, o Grande Supervisor do cérebro, está envolvido, junto com o córtex cingulado anterior, que representa conflitos. Além disso, hoje se sabe, essas duas estruturas têm não só os movimentos como também a fisiologia do corpo sob o seu controle, através do tronco cerebral —o tal que controla as lágrimas.

Minha hipótese, portanto: acho que o choro acontece quando o córtex pré-frontal, que estava sob tensão acumulada e controlada, subitamente se vê livre dela. Pode ser porque a situação antecipada (e temida) finalmente chegou e passou, ou porque o problema angustiante se resolveu, ou porque se chegou a um lugar seguro onde a gente pode parar de tentar controlar a situação. Ou, às vezes, porque a gente se dá conta de que não há o que fazer mesmo.

Talvez o ato de chorar até acalme fisicamente o corpo (há controvérsia). Mas o mais importante é o que vem de cima: quando há choro, é porque o córtex pré-frontal parou de tentar, se desarmou… e relaxou. Às vezes é de tristeza, às vezes é de felicidade, às vezes é de alívio. Às vezes é superação; às vezes é derrota. Mas, o que quer que fosse que seu cérebro estava carregando, acabou.

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