Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Berta Cáceres, Justiça incompleta

Ambientalista havia denunciado tentativas de matá-la a jornais estrangeiros

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Faltava um dia para seu aniversário de 45 anos, em 3 de março de 2016, quando a ambientalista Berta Cáceres foi assassinada, em Honduras. 

Havia mais de duas décadas que ela travava uma luta na defesa de terras indígenas contra a expansão ilegal de construções de hidrelétricas, represas e obras de infraestrutura. Por isso, vivia sob ameaça.
 

Ativistas seguram cartazes com a foto de Berta Cáceres durante audiência judicial de um dos suspeitos em Tegucigalpa, Honduras
Ativistas seguram cartazes com a foto de Berta Cáceres durante audiência judicial de um dos suspeitos em Tegucigalpa, Honduras - Orlando Sierra-10.out.19/AFP

Afinal, nesse país centro-americano em contínua tensão civil, governado por um partido e um presidente (Juan Carlos Hernández) acusados de corrupção e de vínculos com o narcotráfico, outros 130 ativistas tinham sido mortos antes dela na última década.

Enquanto a maioria desses assassinatos continua impune, o caso de Cáceres foi diferente. Sete responsáveis por armar a emboscada que culminou em sua morte foram condenados a sentenças de 30 a 50 anos. 

Isso só ocorreu, porém, porque o caso ganhou projeção internacional. Cáceres havia ganhado prêmios e falado sobre as tentativas de eliminá-la a jornais estrangeiros. Como em seu país, desde 2009, 25 jornalistas foram assassinados e não há liberdade de expressão, Cáceres falou ao mundo. E foi ouvida. Foi por conta da dimensão que o caso ganhou, que a Justiça hondurenha foi obrigada a atuar.

A condenação é uma boa notícia, mas apenas em parte. Ambientalistas e familiares de Cáceres dizem que os condenados são só os autores materiais do crime e uma pequena peça numa máquina fatal. Alegam que há uma ação concertada entre empresários e o atual governo para seguir com essas obras, matando quem se coloca no caminho.

A própria Justiça apontou o envolvimento da multinacional Desa no crime, mas os principais executivos da empresa não foram condenados. A Desa tenta construir uma hidrelétrica no rio Gualcarque, em um território indígena considerado sagrado, que Cáceres vinha tentando proteger.

O caso expõe o abandono de Honduras. O país, um dos mais violentos do mundo, com uma taxa de homicídios de 40 por cada 100 mil habitantes, vive uma situação dramática desde pelo menos o golpe de Estado de 2009, que depôs o presidente Manuel Zelaya, com o poder caindo nas mãos do questionado partido nacional.

Nas últimas décadas, Honduras passou de ser uma ilha de paz, por ter sido base das ações dos EUA contra os sandinistas na Nicarágua, para transformar-se numa zona de livre trânsito de narcotráfico, marcada pela violência. Por ali, passam de 140 a 300 toneladas de cocaína por ano, segundo a ONG Insight Crime.

Os EUA contribuíram para a formação das “maras” (facções criminosas), ao deportar membros de gangues, nos anos 1990. Agora, quando as vítimas dessas “maras” tentam fugir para os EUA, temendo por sua vida, os norte-americanos lhes fecham as portas do país.

Em Honduras, há uma população vivendo à mercê de um narco-Estado corrupto e da violência de facções criminosas. Seria bom se a condenação dos assassinos de Berta Cáceres servisse para chamar a atenção da comunidade internacional para o drama de um país que agoniza sozinho e longe dos holofotes.

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