Sylvia Colombo

Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.

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Descrição de chapéu Argentina América Latina

Apadrinhado de Javier Milei avança até contra programação de TV infantil

Episódio protagonizado por candidato do presidenciável ao governo da capital expõe baixa qualidade de seus quadros

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Em 2009, Cristina Kirchner nacionalizou as transmissões de partidas de futebol. Antes disso, elas tinham sido negociadas por preços astronômicos a canais pagos. A nacionalização do futebol deixou vários empresários insatisfeitos e os posicionou contra a então presidente. Por outro lado, a decisão alegrou os fãs de futebol, que, como sabemos, não são poucos na Argentina. Afinal, a partir de então o esporte passou a ser uma atração grátis, exibida pela televisão pública.

A TV Pública argentina passou por altos e baixos. Seus históricos estúdios já viram nascer várias estrelas do passado, depois formaram várias das que atuam no cinema e no teatro. Porém, há tempos que sua estrutura pede novos investimentos, alguns de seus programas jornalísticos poderiam ter mais refinamento, e sua dramaturgia já conheceu dias melhores.

O candidato a presidência da Argentina, Javier Milei
O candidato a presidência da Argentina, Javier Milei - Agustin Marcarian - 06.set.2023/Reuters

Mas, se algo de bastante positivo a TV Pública argentina realizou nestes últimos anos foi investir em uma programação educativa infantil para a faixa de 2 a 12 anos, de grande qualidade.

Nascido como um programa do canal Encuentro, também da TV Pública, o "Paka Paka" (que é o modo como se designa o jogo de pega-pega em quéchua), logo ganhou visibilidade e virou um canal à parte dentro da estatal. O "Paka Paka" venceu diversos prêmios da categoria e também foi indicado ao Emmy Kids, em 2022.

Pois o "Paka Paka", e a TV Pública em geral, é a nova vítima de Javier Milei. O candidato hoje favorito a ganhar as eleições presidenciais já disse que pretende acabar com a TV Pública, entre as tantas instituições pelas quais passaria sua "motosserra".

Na última semana, a polêmica escalou de proporção, com declarações infelizes, quase infantis, movidas pela fúria ideológica de Ramiro Marra, candidato de Milei para o governo da cidade de Buenos Aires (que tem status de província).

Marra foi questionado por uma repórter sobre por que acabar com a TV Pública. "Porque minha mãe diz que o que fazem ali é doutrinar as pessoas. Então vamos vender o imóvel para ajudar a diminuir a pobreza."

As afirmações do candidato viralizaram nas redes, sob críticas de especialistas em programação infantil, pais, mães e professores.

Na trama do "Paka Paka", o principal protagonista é o menino Zamba, um personagem animado que percorre os principais acontecimentos da Argentina. Ainda que a visão da história de Zamba puxe para o nacionalismo, os fatos importantes são mostrados de forma didática e com conteúdo crítico próprio para o entendimento de uma criança.

Marra foi novamente questionado sobre a TV pública no dia seguinte, desta vez especificamente sobre o "Paka Paka". O jornalista Tomás Méndez perguntou a ele o que havia de errado com o desenho animado.

Marra respondeu: "Uma criança me disse que mostram os espanhóis como maus e os argentinos como bons [durante a colonização]". Méndez então perguntou: "E não te parece, naquela situação, que foi assim? Mataram 90% dos nossos povos originários".

E Marra: "Meu bisavô era espanhol e não era mau. Eu também tenho passaporte espanhol e não sou mau".

O jornalista riu. "O fato de você ser espanhol não te exime de criticar o que os espanhóis daquela época fizeram", disse, lembrando que até o rei Juan Carlos pediu desculpas pela colonização espanhola, em 1990.

Para o historiador Felipe Pigna, "ser espanhol não impede a capacidade de criticar as coisas que a Espanha fez de errado na história".

O episódio seria apenas uma anedota caso não expusesse, de modo tão cristalino, a qualidade intelectual dos quadros que Milei teve de juntar às pressas para que fossem candidatos a congressistas ou prefeitos por sua força política. Sua própria formação como "ultraliberais" ou "ultradireitistas" parece baseada em meia dúzia de banalidades politicamente incorretas.

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