Tabata Amaral

Cientista política, astrofísica e deputada federal por São Paulo. Formada em Harvard, criou o Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito.

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Tabata Amaral

Segunda instância não pode ser foco

Boa parte da morosidade da nossa Justiça ocorre nas primeiras instâncias

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Desde que o debate sobre prisão em segunda instância ficou partidarizado, envolvendo figuras que despertam paixões dos dois lados do espectro político, ficou difícil discutir de fato a matéria. Os argumentos de ambos os lados mostram que estamos olhando para todos os problemas corretos no lugar errado.

Temos que dar respostas igualmente urgentes, enquanto sociedade, a dois graves problemas. Primeiro, como vamos combater a corrupção e a impunidade que imperam em nosso país e que contribuíram, em muito, para a polarização atual. Segundo, como vamos evitar graves injustiças do nosso sistema penal, que sabemos que pesa especialmente contra negros, pobres e os mais vulneráveis.

Infelizmente, estamos depositando todas as nossas esperanças para resolver esses problemas na definição sobre prisão em segunda instância, esquecendo que essas são questões sistêmicas e que não existe bala de prata para resolvê-las.

Concordo que a impunidade dos crimes de colarinho branco é de fato um dos maiores problemas do nosso país, mas boa parte da morosidade da nossa Justiça ocorre nas primeiras instâncias. 

Levaram menos de um ano para transitarem em julgado, ou seja, serem encerrados, 63% dos recursos especiais no STJ e 77% dos recursos extraordinários no STF, todos eles na área de direito penal.

Se o nosso foco é o combate à corrupção, precisamos aprovar com urgência algumas mudanças, inclusive pautadas pelas dez medidas contra a corrupção, que têm sua eficácia comprovada: tornar o crime de corrupção imprescritível, dar mais celeridade ao sistema de justiça nesses casos e cobrar reparações de danos mais efetivas.

Por mais que isso vá contra o senso comum, as evidências mostram que penas financeiras pesadas são mais eficazes que a prisão no combate à corrupção.

Enquanto isso, recentemente foi aprovado um projeto de lei que abre brecha para caixa dois e, na prática, acaba com o teto de gastos de campanhas eleitorais. Esse projeto não suscitou nem metade da atenção pública que teve a decisão do STF sobre prisão em segunda instância.

Nos opusemos a esse projeto absurdo e apresentamos um outro projeto de lei, que aplica aos partidos políticos as mesmas obrigações de transparência que hoje se exige de órgãos públicos, com a possibilidade ainda de responsabilização em pessoa física dos dirigentes partidários que não tiverem suas contas aprovadas.

Do outro lado do debate, definir que a prisão só possa ocorrer após trânsito em julgado só corrige uma parte das injustiças cometidas.

Em 2018, 45% dos habeas corpus e 40% dos recursos no STJ foram apresentados pela Defensoria Pública, que oferece atendimento jurídico gratuito a pessoas de baixa renda, e um quarto deles teve uma diminuição de pena ou alteração no regime para semiaberto.

No entanto, existem reformas com capacidade de corrigir essas injustiças na raiz, como rediscussão da criminalização de drogas, melhor uso de penas alternativas e a fiscalização das prisões provisórias.

Precisamos dar a cada mal o seu remédio apropriado e atrelar a discussão sobre prisão em segunda instância a reformas sistêmicas, sob o risco de sermos ora complacentes com a impunidade, ora complacentes com injustiças. 

Entendo a raiva que essa discussão desperta, porque me sinto igualmente frustrada com a partidarização do debate. No entanto, é importante que a atenção e poder de mobilização sejam direcionados principalmente para soluções estruturantes, que são mais complexas mas também necessárias e transformadoras.

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