Se você tem um adolescente em casa, o TikTok dispensa apresentações. Para quem não o conhece, trata-se de aplicativo que permite que, pelo celular, usuários interajam em vídeos curtos cheios de coreografia, repetições, música, dublagens e efeitos visuais.
Para muitos, algo inofensivo. Para os EUA, um problema de segurança nacional. Na verdade, para os EUA, tudo está se tornando uma questão desse tipo.
A Quinta Avenida está cheia de carros alemães? Problema de segurança nacional. Importação de aço e alumínio? Aplicativo de relacionamento para comunidade LGBT? Idem, idem. Sob esse argumento, os EUA têm adotado ou ameaçado adotar barreiras ao comércio e aos investimentos estrangeiros.
O governo Trump vê risco de segurança nacional em praticamente toda a parte, mas, se a questão tiver qualquer relação com a China, o problema é certo. E se envolver, ao mesmo tempo, China e tecnologia, a preocupação atinge níveis estratosféricos.
Isso afeta desde a Huawei, gigante da tecnologia 5G, até a plataforma de relacionamentos Grindr, passando pelo TikTok. A disputa eleitoral agrava o quadro.
Os EUA agora consideram proibir o TikTok no país por dois motivos. Há, sobretudo, a preocupação com os dados dos usuários. Alegam que, ao usar o aplicativo, informações pessoais dos cidadãos americanos iriam parar nas mãos do Partido Comunista Chinês.
Além disso, os EUA temem que o aplicativo possa ser usado como instrumento de propaganda dos chineses, ao promover determinados conteúdos ou censurar outros.
Para os EUA, a melhor maneira de mitigar riscos relativos à proteção de dados e moderação de conteúdo seria adotar parâmetros robustos, que valessem para empresas de qualquer origem, argumenta Samm Sacks, do think tank New America.
Essas regras definiriam como as empresas coletam, armazenam e compartilham dados. E com que critérios poderiam recomendar conteúdo aos usuários.
Auditorias independentes fiscalizariam as empresas. No caso do TikTok, verificariam se é efetivo o firewall em relação ao ByteDance, grupo chinês ao qual o aplicativo pertence.
Por outro lado, ao banir o TikTok, Washington seguiria a cartilha dos comunistas chineses. Os EUA se aproximariam da China num dos aspectos que mais criticam o regime chinês: o fato de a internet não ser livre, de o governo decidir o que as pessoas podem ou não acessar.
Seria compreensível se o governo americano, que tanto fala em reciprocidade, ameaçasse banir o TikTok para tentar abrir o mercado chinês para o Facebook, por exemplo. Mas não é disso que se trata.
Por supostamente se tratar de um problema de segurança nacional, a questão não se prestaria a barganhas comerciais.
Em boa medida, o TikTok incomoda o governo americano por ser o primeiro app chinês altamente popular nos EUA. São cerca de 26,5 milhões de usuários mensais ativos no país.
Os EUA inventaram a internet, são a referência em tecnologia, exportam cultura pop para o mundo. E seus jovens estão vidrados num aplicativo moderninho de uma empresa justamente chinesa.
Os EUA obviamente vencerão a batalha, cujo resultado pode ser a venda do TikTok para outro grupo. Seria uma vitória de Pirro, no entanto. Soluções mais inteligentes estão ao alcance dos americanos, inclusive porque outros TikToks surgirão.
A opção por banir o aplicativo só faz sentido se o objetivo for mesmo a criação de duas esferas de influência tecnológica. Ao adotar esta via, no entanto, os EUA abrem um precedente perigoso ao tornar sua internet menos livre.
Por incrível que pareça, a reação americana ao avanço do TikTok simboliza a ameaça tecnológica, econômica e geopolítica que Washington vê hoje na China. Se a solução for mesmo proibir o aplicativo, o episódio pode entrar para a história como o momento em que a paranoia assumiu a cabine de comando.
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