Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Surfista fascista?

Você consegue entender um surfista apoiar o Bolsonaro?

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Você consegue entender um surfista apoiar o Bolsonaro? Quer coisa mais insurgente, livre e deslumbrante do que ser um surfista? Não faz sentido. Você imagina um liquidificador batendo uma vitamina irada de banana com couve e o livro do coronel Ustra ao lado? Sucão com tortura às cinco da manhã? Gente! Me dá uma tristeza, uma sensação de que está tudo fora do lugar. E não é errado apenas social, intelectual e humanitariamente. É uma parada de cosmos mesmo. Deu ruim nos primórdios da criação de qualquer coisa que venha depois do nada. E desculpa se escrevo um tanto chapada, mas minha capacidade cognitiva desistiu do Brasil um pouco antes do Natal e ainda não a recuperei totalmente.

Lembro de uma vez —eu devia ter uns oito anos— em que comi um bolinho de arroz com queijo que estava divino, mas desceu todo desajeitado e ficou saindo arroz pelo meu nariz. E saia arroz e guaraná e ardia demais. Surfista fascista me desce mais torto que aquele almoço.

E jogadores de futebol que apoiam Bolsonaro, você entende? Quer coisa mais destemida, idolatrável e gloriosa do que driblar uma dezena de gringos e marcar o gol que inspirará milhares de garotos pobres e negros a acreditar em dias melhores (apesar das crianças mortas por balas que, sinto muito, não são "perdidas". Perdida está a humanidade. A bala está claramente mirada em destruir tudo o que ainda nos resta de decência e beleza)? Naquele segundo em que o Brasil pode tudo, Deus não está morto e vai ficar tudo bem. Mas depois, quando esses mesmos jogadores posam orgulhosos ao lado de milicianos, qualquer fé é enterrada junto com todas as nossas mais de 200 mil vítimas de Covid-19.

Eu me consultava com um clínico geral aparentemente defensor da democracia (e gato). Indicava-o para todo mundo e o enxergava, caipira que sou, sob as lentes de um certo fetiche "jaleco = capa de herói". Me refiro a ele no passado porque o considero falecido no seletíssimo hall da junta médica do meu celular: o cara não apenas votou no coiso como continua sendo seu mais fiel apoiador. Você entende esse monte de médico que jurou defender a vida e elegeu um exterminador? Vamos mudar o juramento de Hipócrates para juramento de hipócritas? Não faz sentido prescrever ansiolítico com arma de fogo, antibiótico com negacionismo e analgésico com pau-de-arara.

Mas esta crônica termina com uma pitada de esperança. Meu amigo Bruno conheceu recentemente uma "funcional de esquerda". Explico: trata-se de uma pessoa formada em educação física, especializada em ginástica funcional, que não vomita barbaridades na sua orelha. Por causa da minha falta de sorte com esses profissionais (professor de pilates racista, professora de musculação que achava o presidente um "tiozinho figuraça" e mestre de muay thai que insistia que somos todos manipulados por reptilianos da esquerda), eu já tinha desistido de me exercitar. Você entende jovens tão preocupados com a saúde ignorando por completo o descaso do governo com a Amazônia? Passar uma hora com essas pessoas me mandando ficar de quatro, quando eles que eram as mulas, me dava curto-circuito no espírito. Mas para a funcional de esquerda eu faço quantos agachamentos ela mandar. E ainda canto o hino e uso a corda naval.

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