Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi
Descrição de chapéu machismo

O homem desconstruído

Rodriguinho não sabia, mas dedicaria uma vida a descobrir

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A ex-namorada de Rodriguinho disse que ele era um machinho e precisava se desconstruir. Como nosso herói jamais esqueceu essa garota, começou seu processo. Na primeira semana ele pediu desculpas em rede nacional (seu Instagram, com cerca de 64 pessoas) por ser homem. Seu pai ligou e exigiu às pressas, apesar da pandemia, um jantar em família. Rodriguinho explicou, voz insegura: “Calma, eu só quero ser um homem desconstruído”. “E que porra isso quer dizer, ô biruta?”, perguntou o velho. Rodriguinho não sabia, mas dedicaria uma vida a descobrir.

Então nosso herói fez dreads em seu cabelo loiro e, com razão, foi cancelado pelos amigos por apropriação cultural. Passou a usar maquiagem e saia, mesmo não tendo nenhuma identificação com esses adereços e, com toda razão, levou um esculacho da irmã: “Você está ridicularizando a identidade e a luta de pessoas muito sérias”.

Rodriguinho foi até uma livraria: “O que tem aí sobre desconstrução?”. Mas teve a falta de sorte de pegar um atendente homem que o levou para a seção de arquitetura e design.

Shotprime Studio/Stock Adobe

Ligou para seu pediatra (sim, aos 32 anos ele ainda se consultava com o mesmo médico da infância) e perguntou o que ele poderia tomar para se desconstruir. O doutor falou que sua especialidade só lhe permitia prescrever paracetamol em gotas, mas acreditava que tinha chegado a hora de Rodriguinho procurar outro tipo de médico. E indicou um psiquiatra.

Só que o psiquiatra era um senhor de uns 60 e poucos anos, sem redes sociais (portanto sem acesso às hashtags da moda), e ao ouvir que Rodriguinho queria se desconstruir já pensou logo em duas hipóteses: ou bem esse cara está psicótico e se vendo despedaçado, ou bem está borderline e anda se cortando. E receitou um mix de lítio com sertralina.

No desespero (e sob efeito de lítio, sertralina e paracetamol em gotas), Rodriguinho cortou os dreads. E, querendo ir mais longe e provocar em seu corpo qualquer desconstrução possível, raspou o cabelo e foi se empolgando. Tirou os pelos do peito, das pernas, das axilas, das sobrancelhas.

Então, parecendo um ET, foi até a casa da ex-namorada: “E agora?”. E a moça, cheia de pelos nas axilas, nas pernas, e uns três bem grandes na teta, apenas balançou a cabeça: “Você não entende nada!”.

Na manhã seguinte, ele acordou curvado pelo cansaço, corcunda pela humilhação e se olhou no espelho. Foi quando teve a ideia brilhante: “É isso!”. E Rodriguinho pôs-se de quatro a andar pela casa.

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