Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Annie Ernaux explica em livro por que inventou uma forma de escrever

Para além de artística, é uma escrita social, uma antiliteratura

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Prêmio Nobel de Literatura em 2022 e grande estrela da penúltima Flip, a francesa Annie Ernaux segue celebradíssima por aqui. Não existe uma única livraria (pelo menos em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, lugares onde estive recentemente) que não ostente suas obras logo na entrada.

Quem leu "O Lugar", livro-chave para entender a "postura de escrita" da autora, sabe do compromisso de Ernaux com um texto sem firulas, exageros e academicismos. É no intuito de se aproximar o máximo possível da verdade e da singeleza dos fatos e das pessoas que ela nega imprimir às suas lembranças um estilo mais romanceado, recebendo por isso muitas críticas de resenhistas homens (machistas, é claro). Devem se perguntar como uma mulher ousa escrever dessa forma, sem demonstrar nem um tantinho de dramaticidade ou se apoiar em recursos estilísticos, e ainda misturar, seca e cruamente, o social com o sexual.

Confesso que me tornei leitora de Édouard Louis antes de conhecer a obra de Annie Ernaux. Édouard diz que não falta literatura sobre a classe operária, mas falta honestidade. Escritores progressistas de esquerda transformam o pobre em herói, ao passo que escritores de uma direita mais conservadora transformam o mesmo personagem em um vagabundo alcoólatra. Era necessário que um autor advindo do seio da classe operária ascendesse intelectualmente para contar a história verdadeira dessas famílias.

Leitora apaixonada de Édouard Louis e Didier Eribon, um dia descobri que a autossociobiografia, como a conhecemos hoje, havia sido criada por Annie Ernaux. (E eu lendo apenas os homens, seus pupilos confessos!)

Annie inventou uma forma de escrever. Melhor dizendo: uma escrita que, a partir de um método "de exploração interior e exterior", tem uma intenção. E essa intenção, para além de artística, é também social, podendo até ser entendida como uma antiliteratura. E Ernaux sabia que a intencionalidade de sua prosa ao "não conter nem metáforas, nem sinais de emoção" para que a violência viesse "dos fatos e não da escrita" seria ainda mais importante para as mulheres, para os leitores, para a literatura e para si mesma do que a história a ser contada.

Nessa reunião primorosa de textos, ensaios e a excepcional entrevista "A escrita como faca" (que a autora concedeu ao longo de meses para o escritor Frédéric-Yves Jeannet), o leitor vai além dos já conhecidos escancaramentos secos de seus livros, podendo se aprofundar nos pensamentos que antecedem e encerram cada obra.

Em "Vingar minha raça" −discurso proferido na entrega do Nobel, em 2022−, Ernaux conta que, quando era uma estudante de letras, entre "jovens oriundos da burguesia", pensava ingenuamente que se tornar uma escritora seria suficiente para vingar a linhagem "de gente desprezada por suas maneiras, seu sotaque, sua falta de cultura". Ela acreditava que seu sucesso poderia "apagar séculos de dominação e pobreza" e seria suficiente para "reparar a injustiça social de nascença".

Fiquei surpresa ao descobrir que Annie não se importa com a psicanálise (nem é uma grande fã de Marguerite Duras), sobretudo quando, ao longo da entrevista, ela relata pensamentos tão lacanianos: "para mim, a verdade é simplesmente o nome que se dá àquilo que se procura e que escapa constantemente".

Em uma das passagens mais bonitas da entrevista, Annie Ernaux diz que, em seu comprometimento com a escrita, oferece a si mesma como garantia e "se sustenta na crença, tornada certeza, de que um livro pode contribuir para mudar a vida de uma pessoa e para romper a solidão das coisas sofridas e enterradas".

A ESCRITA COMO FACA E OUTROS TEXTOS

  • Preço R$ 74,90
  • Autoria Annie Ernaux
  • Editora Fósforo
  • Tradução Mariana Delfini

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