Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Descrição de chapéu yanomami

Situação dos yanomamis é parte do projeto de extinção

São estarrecedoras as imagens na Terra Indígena Yanomami, em Roraima

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Não tem mais desculpas nem lenga-lengas. As cenas são estarrecedoras: a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, habitada por cerca de 28 mil pessoas, estava sendo devastada pela fome e pela doença. Mas nada disso é fato novo: é herança do governo Bolsonaro, que agiu na região com intenção criminosa, abrindo espaço para o garimpo ilegal, para a grilagem de terra e para as empresas que operam modernas máquinas de desmatamento.

O caso, de grandes proporções de calamidade, supostamente desconhecida, só veio de fato à tona agora, após a presença do presidente Lula na região e a ampla cobertura da imprensa.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita o hospital indígena e a Casa de Apoio à Saúde Indígena em Boa Vista, capital de Roraima - Ricardo Stuckert - 21.jan.23/Palácio do Planalto

Todos os que leem esta Folha devem lembrar a conhecida fala do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em 22 de abril de 2020, numa reunião ministerial, na qual ele diz: "Precisa ter um esforço nosso aqui [governo Bolsonaro], enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento [ambiental] e simplificando normas".

Não precisamos de muito esforço para concluir que o governo Bolsonaro e Ricardo Salles alcançaram seu objetivo, dentro da lógica genocida e exterminadora. O elevado número até agora anunciado de mortos —sobretudo de jovens e crianças— e o aspecto degradante de corpos indígenas expostos à desnutrição crônica só podem ser comparados aos homens e mulheres dos campos de concentração nazistas, pelo contexto de extermínio do ser humano, focado em um determinado grupo populacional.

Criança yanomami internada com desnutrição grave no Hospital da Criança Santo Antonio, em Boa Vista - Lalo de Almeida - 25.jan.23/Folhapress

A sede de devastação e destruição da floresta amazônica, de abrir a porteira para a sanha de grileiros e para a entrada de aproximadamente 20 mil garimpeiros ilegais (quase um garimpeiro por indígena que vive na região), não encontrou nenhuma resistência do governo extinto; pelo contrário, foi estimulada, financiada e protegida de forma oficial e escandalosa.

Os povos originários não foram ouvidos nas suas reclamações, nos seus apelos e angústias, que tinham a ver com a invasão de terras e a contaminação das águas de rios e mananciais pelo cobre e pelo mercúrio, conforme se constatou nos exames cadavéricos de crianças e adultos, contabilizados entre os mortos dessa tragédia ambiental e humana.

Os órgãos oficiais que deveriam proteger e manter os padrões de denúncia e fiscalização, de forma a desencorajar invasões e grilagens –Ibama, Funai e seus braços correlatos–, estavam em mãos de aliados do crime, vendendo fantasias de proteção enquanto se desmatava e se poluía.

As cenas degradantes que chocaram o mundo e o povo brasileiro já eram conhecidas pelas autoridades do governo Bolsonaro e pelo próprio ex-dirigente da nação. Mas é natural pensarmos que tudo isso não passa de pura normalização numa mente como a dele. Durante quatro anos de governo, em declarações e atos de sua administração, Bolsonaro jamais se compadeceu da sorte dessa população. Ao contrário.

Quando deputado, ao homenagear a cavalaria americana, disse sem pestanejar: "Até vale uma observação neste momento: realmente, a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país".

O discurso está publicado no Diário da Câmara dos Deputados, edição de 16 de abril de 1998 –a apenas três dias da comemoração nacional do Dia do Índio. Após fala tão desastrosa, vendo que tinha passado do ponto, como de costume, deu uma de bom moço, sempre pouco confiável, e arrematou a questão: "Se bem que não prego que façam a mesma coisa com o índio brasileiro".

No ano passado Bolsonaro recebeu a medalha de Mérito Indigenista, conferida a "pessoas que prestam relevantes serviços para o bem-estar dos indígenas". Os yanomamis que falem por si.

É preciso ter mais respeito com os símbolos nacionais e com as populações originárias. Confinar e devastar florestas, como as da terra yanomami, é coisa de infratores ambientais, criminosos e aliados de terroristas, tipos idênticos aos que depredaram os Três Poderes e, à moda tupiniquim, tentaram um golpe de Estado no Brasil.

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